quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Cabelos



Eis que ela surge do nada, encosta-se no banco ao meu lado e começa a mexer seus longos e escuros cabelos. Prende uma mecha com a mão esquerda e deixa aparecer a discreta tatuagem cravada na nuca. Um símbolo azulado da Antiguidade egípcia que pinta a morenice brejeira de sua pele. Seus dedos obsessivos desfiam pedaços emaranhados de suas madeixas e aproximam essa diminuta crina ao seu nariz. Evidente que se trata de uma busca sinestésica pelo prazer homérico. Cheirar os cabelos, comer os cabelos... De fato, aqueles fios sedosos eram de abrir o apetite. À medida que se contorcem nos vãos dos seus dedos magros, exalam uma essência primitiva de sua fórmula frutífera. Uma combinação harmônica de castanhas, cupuaçu e coco, muito coco. A lufada de aromas tupiniquins revoantes da Iracema do século 21 domina as cercanias do ambiente. Não teve jeito. A estufa amazônica de inebriantes perfumes arbóreos oriundos das melenas azeviches da musa na sua mais perfeita escultura desperta em mim um instinto indígena. Fito-a me sentindo um selvagem, o mais selvagem daquela arquitetura de granitos urbanos.

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