Relacionamento é algo tão complicado quanto imprevisível. Você
aposta todas as suas fichas para que dê certo, mas ao mesmo tempo precisa ser
perito no incógnito campo das adivinhações. Tá mais pro improviso do jazz do
que pro certinho 4X4 do rock. Tá mais pro repentista do que pra literatura de
cordel. Um relacionamento pode durar tanto uma eternidade quanto mais ou menos
10 minutos. Para que se prolongue pela efêmera eternidade humana, alguns
critérios e alguns cuidados são mais do que necessários.
Tomemos como exemplo a visita de sua namorada ao seu lar,
doce e bagunçado lar. Ah, tá. Preâmbulo: vocês se conheceram num bar, trocaram
ideias, trocaram mais beijos do que ideias, marcaram um segundo encontro, cineminha
de mãos dadas, terceiro encontro, só depois do terceiro rolou sexo, talvez dê
pra dizer que a coisa é séria a tal ponto de mudar o status no Facebook. Aí a
gata vai conhecer seu território. Num relacionamento, essa fase é definitiva.
Na cabecinha oca masculina, a chegada de uma fêmea a um
ambiente cheirando a cerveja e pizza requentada em micro-ondas soa como uma
noite interminável de prazer. Você, homem, já começa a alucinar a visualização
de sua futura esposa de cócoras sobre a máquina de lavar. Imagina a moçoila
fazendo poses eróticas com o esguicho do chuveiro do boxe. Acha que vai transar
com ela na cozinha, na sala, no quarto adjunto, sobre a coleção de DVDs do
Scorcese. Sonha que vai transar com ela na garagem, sobre o capô do seu Honda
Civic. Você, homem, na sua mentalidade ignóbil, acha que sua namorada vai, do
dia pra noite, se transformar na Bruna Surfistinha do Tatuapé. Começa a
imaginar sua residência como a Disneylândia do amor físico. Seu ouvido seletivo
entende o “quero ir pra sua casa” como “quero dar loucamente pra você”.
Essa é a percepção masculina. A realidade feminina é bem
diferente. A mulher decide conhecer sua casa pra conhecer você melhor. Em seu
paranoico e obsessivo detalhismo, repara na cor cafona do tapetinho do hall.
Mulher é pior que Sherlock Holmes. Consegue decifrar o ano em que a casa foi
erguida só de olhar pelo batente descascado. Sua talvez quem sabe futura esposa
adentra o recinto como se estivesse passando de fase do Criminal Case. Ali,
nada acontece por acaso. Tudo tem uma relação de causa e efeito. Se tem marca
de copo sobre a pia, aquela rodela de água que se forma sobre a superfície, é
sinal de que alguém mais esteve na moradia. Se teve alguém mais na moradia,
certeza que o cara tá traindo a moça. Mulher observa tudo com olhos de lince.
As pessoas no porta-retrato. Os ímãs de geladeira. Começa a cheirar as camisas
que o homem deixou sobre o móvel pra ver se precisa lavar. Repara se tem toalha
molhada em cima da cama. Ou se a pasta de dente está apertada na ponta ou no
meião do tubo. Faz minuciosas averiguações para descobrir se tem algum resto de
pipoca ou de Ruffles debaixo do sofá da sala. Entregar seu corpo para o sexo é
a última das prioridades. Mais importante é abrir o guarda-roupas pra ver se
todas as cuecas estão dobradas. Para a pessoa do sexo feminino em questão,
transformar a casa do namorado numa montanha-russa do prazer carnal é algo
quase fora de cogitação. Melhor mesmo é ficar nesse jogo de investigações: o
copo que deixou a marca sobre a pia pertence ao Coronel Mostarda, que pegou um
candelabro e se dirigiu à sala de estar.
Divergências de postura acontecem. Diferenças dos níveis de
expectativas, mais ainda. Tudo isso pode ser contornado. Basta um pouco de
tempo e de paciência. Mexe-se ali, mexe-se ali, até que um se acostume às
manias e costumes do outro. Apesar dos possíveis contratempos, esse mal-estar
da primeira visita pode ser contornado e futuramente esquecido. Não fosse por
um outro detalhe: o xampu. Na hora de tomar banho, seja antes ou depois do
sexo, pra você, homem, qualquer fundinho de anticaspa em embalagem verde-escura
com data de validade em agosto de 2009 tá valendo. Já os cuidados estéticos
femininos são um pouco mais apurados. É ali, naquele momento embaçado pelo
vapor aquático que se define se o amor é eterno ou volátil. A mulher exige do
homem, no caso você, um pró-vitamina com polpa de abacate, creme de ácido
retinoico reparador de pontas, redução de manga e partículas revitalizantes de
cristais de berílio. Tipo um prato do Alex Atala, só que pra botar em cima da
cabeça em vez de comer.
Meu caro, fica esperto. Se o relacionamento acaba, não é
porque faltou amor, carinho e compreensão. Faltou apenas um pouquinho mais de
cristais de berílio.
Um comentário:
Excelente!!!!!
E reparar nos detalhes está na natureza feminina...
A não ser que estejam soltando faíscas...neste caso, meu caro, sexo primeiro e inspeção depois....rs
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