terça-feira, 12 de setembro de 2017

A bilheteria é para todos

Arte é confronto. É o embate dos contrários. É a forma de expressão que só se intensifica por meio de conflitos e provocações. Nem que sejam meramente internos. Só assim o indivíduo cresce. Só assim a sociedade evolui.

Quem me conhece um pouco melhor sabe que não sou lá muito chegado às terminologias “de esquerda” ou “de direita”. Sob esse ponto de vista, o mundo mudou. Vemos uma série de governos ditos “de um lado” praticando ideologias consideradas “de outro lado”, em todos os territórios do planeta. Políticas conservadoras, práticas ditatoriais, nada têm a ver com essa divisão. Servem tanto para um quanto para outro. Acredito mais na fissão “eficiência de gestão” x “incompetência de gestão”. Esquerda ou direita me parece um julgamento simplista, maniqueísta. Uso raramente, apenas para resumir ou simplificar um conceito de senso comum, quando não quero adentrar em detalhes. Senso comum, diga-se de passagem, que nada tem a ver com bom senso. Procuro observar o mundo, sob a ótica política, mais como um crítico inconformado do que um flanelinha: “mais pra esquerda, vem pra direita, aí tá bom...”.

Dito isso, queria falar um pouco sobre um assunto recente que me chamou a atenção. Não se trata da exposição patrocinada pelo Santander. Que, por sinal, passou pelos mesmos crivos policialescos dos árbitros das redes sociais. Na verdade, trata-se de um boicote feito por parte de uma “elite pensante” em relação ao comparecimento nas salas de cinema para ver “Polícia Federal”. E, posteriormente, a equivocada comemoração para os resultados de bilheteria considerados “pequenos”.

Acho tudo isso uma grande bobagem. Um gesto partidário que beira a infantilidade. Algo tão pueril quanto telefonar para um programa televisivo matinal ou andar na rua carregando um balão vermelho. Em primeiro lugar, pelos números que falam por si. Tá certo que não alcançaram as expectativas megalomaníacas, mas “Polícia Federal” fez, no feriado prolongado, quase meio milhão de pagantes. Foi a maior estreia nacional de 2017.

Mas, aonde quero chegar? Como cinéfilo, apreciador controverso da arte, acho que todo e qualquer filme deve ser visto. Do conservadorismo “direitista” de Clint Eastwood, diretor por sinal muito bem aceito pelos corretores da Sétima Arte, ao panfletarismo proletário “esquerdista” de Ken Loach. Se algumas críticas e publicações anteciparam que Polícia Federal faz um retrato cômico e caricato dos investigadores, coloca o departamento em estado incólume de beatificação, ou peca ao não aprofundar os fatos, a meu ver isso não são argumentos suficientes para a tal greve. Até porque, na miopia de sua raiva, os precursores do “não vou” mal perceberam que, nos últimos anos, vem surgindo uma classe política que não se afirma como “de direita”. São os “ex-esquerda”, que também lutaram contra a ditadura, votaram no Lula lá no começo, mas se decepcionaram com os rumos tomados por algumas lideranças. Talvez não sejam nem de esquerda nem de direita, apenas desnorteados diante de tanta roubalheira e impunidade. O próprio diretor (conforme falado na coletiva de imprensa, eu estava lá) faz parte desse novo nicho.

Cinema é ruptura na forma e no conteúdo mas, na questão dos produtores e realizadores, acredito que eles devem andar bem grudadinhos. Principalmente o cinema brasileiro, que compete com as intensas e covardes estratégias de marketing das majors para que seus blockbusters alcancem o topo das bilheterias. Pensar que meio milhão de brasileiros abriu mão das futilidades e das commodities de consumo dos shoppings para ver o filme, ainda que esta seja a parte ínfima e menos lucrativa de um pacote composto por baldes de pipoca e litros de refrigerante, é um dado que não pode ser desprezado. Estamos assistindo, todos os dias, fora das telonas, à maior investigação político-criminal da história do país. Não podemos nos submeter à arrogância de certos bedéis da arte, que nos orientam a boicotar o filme. Ainda que finalizado de maneira torpe e carregada nas tintas, a Operação Lava Jato provoca um mínimo de interesse a ser discutido.

Por favor, deixem a Paris Filmes lançar seus filmes “de direita”, como o requentado Plano Real. Deixem a Vitrine Filmes lançar seus filmes “de esquerda”. Apesar de suas formas radicais e ideologias obtusas, ou talvez justamente por isso. Fazer campanhas contrárias não é inconformismo, é imbecilidade. Somos bombardeados por quase uma dúzia de estreias toda semana. Ainda que os filmes “de direita” se utilizem das mesmas estratégias comerciais dos filmes de terror ou das franquias de super-heróis, ver um filme brasileiro abraçar seu público não deixa de ser um ato de resistência. Lugar de pessoas é na sala de cinema, desde que não conversem durante a projeção, não usem o celular e não chutem a cadeira da frente. A única pessoa que gosta de sala vazia é o bilheteiro: ele tem menos trabalho para destacar os ingressos. Cinema cheio faz bem, principalmente a nós mesmos, cidadãos contribuintes, pagadores de impostos. Com bilheterias mais gordas, é possível que nosso produto tupiniquim necessite menos da mendicância das leis de incentivo, o atual antibiótico responsável pela sobrevivência da nossa arte.

Se existe hoje o Movimento Brasil Livre, que de liberdade não prega nada, existe também o Movimento Cinema Livre, oculto nas entrelinhas das redes sociais, mas que se vale dos mesmos métodos persuasivos de censura. E é quase tão perigoso quanto. Não é isso que eu quero para o futuro do nosso país. Nem para o presente. Queria mesmo é poder ver abraçados, segurando cartazes ou não, tanto o Kléber Mendonça quanto o Marcelo Antunez, mais o Eugênio, o Adirley, o Bruno, o Caetano, o Marco, os irmãos Salles e muitos outros que, com suas diferenças estéticas e políticas, gritam por suas ideias e fazem sua arte ecoar nas pessoas e não nos vazios. O resto é palhaçada fora das telas.


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