Arte é confronto. É o embate dos contrários. É a forma de
expressão que só se intensifica por meio de conflitos e provocações. Nem que
sejam meramente internos. Só assim o indivíduo cresce. Só assim a sociedade
evolui.
Quem me conhece um pouco melhor sabe que não sou lá muito
chegado às terminologias “de esquerda” ou “de direita”. Sob esse ponto de
vista, o mundo mudou. Vemos uma série de governos ditos “de um lado” praticando
ideologias consideradas “de outro lado”, em todos os territórios do planeta.
Políticas conservadoras, práticas ditatoriais, nada têm a ver com essa divisão.
Servem tanto para um quanto para outro. Acredito mais na fissão “eficiência de
gestão” x “incompetência de gestão”. Esquerda ou direita me parece um
julgamento simplista, maniqueísta. Uso raramente, apenas para resumir ou
simplificar um conceito de senso comum, quando não quero adentrar em detalhes.
Senso comum, diga-se de passagem, que nada tem a ver com bom senso. Procuro
observar o mundo, sob a ótica política, mais como um crítico inconformado do
que um flanelinha: “mais pra esquerda, vem pra direita, aí tá bom...”.
Dito isso, queria falar um pouco sobre um assunto recente
que me chamou a atenção. Não se trata da exposição patrocinada pelo Santander.
Que, por sinal, passou pelos mesmos crivos policialescos dos árbitros das redes
sociais. Na verdade, trata-se de um boicote feito por parte de uma “elite
pensante” em relação ao comparecimento nas salas de cinema para ver “Polícia
Federal”. E, posteriormente, a equivocada comemoração para os resultados de bilheteria
considerados “pequenos”.
Acho tudo isso uma grande bobagem. Um gesto partidário que
beira a infantilidade. Algo tão pueril quanto telefonar para um programa
televisivo matinal ou andar na rua carregando um balão vermelho. Em primeiro
lugar, pelos números que falam por si. Tá certo que não alcançaram as
expectativas megalomaníacas, mas “Polícia Federal” fez, no feriado prolongado,
quase meio milhão de pagantes. Foi a maior estreia nacional de 2017.
Mas, aonde quero chegar? Como cinéfilo, apreciador
controverso da arte, acho que todo e qualquer filme deve ser visto. Do
conservadorismo “direitista” de Clint Eastwood, diretor por sinal muito bem
aceito pelos corretores da Sétima Arte, ao panfletarismo proletário “esquerdista”
de Ken Loach. Se algumas críticas e publicações anteciparam que Polícia Federal
faz um retrato cômico e caricato dos investigadores, coloca o departamento em
estado incólume de beatificação, ou peca ao não aprofundar os fatos, a meu ver
isso não são argumentos suficientes para a tal greve. Até porque, na miopia de
sua raiva, os precursores do “não vou” mal perceberam que, nos últimos anos, vem
surgindo uma classe política que não se afirma como “de direita”. São os “ex-esquerda”,
que também lutaram contra a ditadura, votaram no Lula lá no começo, mas se
decepcionaram com os rumos tomados por algumas lideranças. Talvez não sejam nem
de esquerda nem de direita, apenas desnorteados diante de tanta roubalheira e
impunidade. O próprio diretor (conforme falado na coletiva de imprensa, eu
estava lá) faz parte desse novo nicho.
Cinema é ruptura na forma e no conteúdo mas, na questão dos
produtores e realizadores, acredito que eles devem andar bem grudadinhos.
Principalmente o cinema brasileiro, que compete com as intensas e covardes
estratégias de marketing das majors para que seus blockbusters alcancem o topo
das bilheterias. Pensar que meio milhão de brasileiros abriu mão das
futilidades e das commodities de consumo dos shoppings para ver o filme, ainda
que esta seja a parte ínfima e menos lucrativa de um pacote composto por baldes
de pipoca e litros de refrigerante, é um dado que não pode ser desprezado. Estamos
assistindo, todos os dias, fora das telonas, à maior investigação político-criminal
da história do país. Não podemos nos submeter à arrogância de certos bedéis da
arte, que nos orientam a boicotar o filme. Ainda que finalizado de maneira
torpe e carregada nas tintas, a Operação Lava Jato provoca um mínimo de
interesse a ser discutido.
Por favor, deixem a Paris Filmes lançar seus filmes “de
direita”, como o requentado Plano Real. Deixem a Vitrine Filmes lançar seus
filmes “de esquerda”. Apesar de suas formas radicais e ideologias obtusas, ou
talvez justamente por isso. Fazer campanhas contrárias não é inconformismo, é
imbecilidade. Somos bombardeados por quase uma dúzia de estreias toda semana.
Ainda que os filmes “de direita” se utilizem das mesmas estratégias comerciais
dos filmes de terror ou das franquias de super-heróis, ver um filme brasileiro
abraçar seu público não deixa de ser um ato de resistência. Lugar de pessoas é
na sala de cinema, desde que não conversem durante a projeção, não usem o celular
e não chutem a cadeira da frente. A única pessoa que gosta de sala vazia é o
bilheteiro: ele tem menos trabalho para destacar os ingressos. Cinema cheio faz
bem, principalmente a nós mesmos, cidadãos contribuintes, pagadores de
impostos. Com bilheterias mais gordas, é possível que nosso produto tupiniquim
necessite menos da mendicância das leis de incentivo, o atual antibiótico
responsável pela sobrevivência da nossa arte.
Se existe hoje o Movimento Brasil Livre, que de liberdade
não prega nada, existe também o Movimento Cinema Livre, oculto nas entrelinhas
das redes sociais, mas que se vale dos mesmos métodos persuasivos de censura. E
é quase tão perigoso quanto. Não é isso que eu quero para o futuro do nosso
país. Nem para o presente. Queria mesmo é poder ver abraçados, segurando cartazes
ou não, tanto o Kléber Mendonça quanto o Marcelo Antunez, mais o Eugênio, o
Adirley, o Bruno, o Caetano, o Marco, os irmãos Salles e muitos outros que, com
suas diferenças estéticas e políticas, gritam por suas ideias e fazem sua arte
ecoar nas pessoas e não nos vazios. O resto é palhaçada fora das telas.
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