sexta-feira, 15 de março de 2019

Pra mim chega


Ataques terroristas a mesquitas, em Nova Zelândia, deixam 49 mortos.

É fato, não dá para nos autorreverenciarmos, olhando para o nosso próprio umbigo, como protagonistas únicos da violência em massa. A decadência é mundial. A modernidade está nos levando ao ápice da barbárie medieval nas idades das trevas e da peste negra. Tempos atrás, temíamos as ruas, os becos, os morros e as favelas, os pontos perigosos e pouco habitados de uma metrópole. Hoje, devemos temer inclusive os lugares seguros e fechados, as casas de Deus, os centros de compras, as instituições do saber. Corríamos o risco de perder a vida diante da posse de supostas riquezas mal distribuídas. Numa espécie de permuta troglodita, diante de um assalto bastava dar a bolsa em troca de um alargamento de nossa perenidade. Hoje, como diziam nossos avós, para morrer basta estar vivo. Basta estar no lugar errado na hora errada. Basta ser alvo da mira de um psicopata, que escolhe aleatoriamente suas vítimas em nome de um Alá transgênico ou de uma hipnótica frase de efeito dos esquadrões suicidas de WhatsApp.

Seria presunçoso demais tentar entender as motivações que levaram ao ato criminoso lá na terra dos cangurus. Não quero levantar hipóteses rasas e levianas que discorrem sobre fatores psíquicos mais complexos. Mas aqui, na república das bananas, precisamos urgentemente levantar a voz e carregar as recentes atrocidades ao debate. É o mínimo que devemos fazer se quisermos conviver com uma sociedade melhor. Marielle Franco completou seu primeiro aniversário de morte e ainda falta muito para ser investigado. E o massacre na escola de Suzano deixou claro que educação e porte de armas são faces de uma mesma moeda.

Não dá para se afirmar categoricamente que o liberou geral da posse de armas facilitou o atentado. É bem provável que ele teria acontecido de qualquer jeito, mesmo se a lei não fosse promulgada. Podemos aqui tecer laudas e laudas para se tentar entender o passado. Mas, antes de tudo, é necessário discutir propostas para o futuro. Nesse sentido, o nosso governo tem pisado feio na bola. Armas não combatem armas. Pelo menos não nas mãos de pessoas erradas e despreparadas, os tais “cidadãos de bem”. Livros é que combatem armas. Educação de Primeiro Mundo, não essa patacoada baseada no ensino à distância, no obscurantismo religioso, no menino azul e menina rosa, na cantoria do Hino Nacional e no terraplanismo. É inadmissível nosso país ter como ícones dos propedeutas o Olavo de Carvalho e o Alexandre Frota. Estão querendo destituir a classe professoral de suas funções básicas. Professor não pode nem deve andar armado. Nem o bedel dos corredores. Nem o motorista da perua. Muito menos o dono da cantina. Quem tem que andar armado, e muito bem armado, é a polícia que faz rondas escolares. Que deveria ser muito mais ostensiva. Assim como os equipamentos de segurança da escola deveriam ser muito mais modernos e eficientes.

Quem se beneficia com a legalização das armas, ao contrário do que se possa imaginar, não é a população. É o grupo de milicianos que contrabandeia fuzis falsificados de grande porte. Que, por uma terrível coincidência, moram no mesmo condomínio da família presidencial. E, por uma outra grande coincidência, foram condecorados no passado por essa mesma família devido aos serviços prestados. E, por uma coincidência maior ainda, são acusados de matar aquela vereadora cujo pôster foi rasgado por essa mesma família real. Assim o ciclo se fecha. A máfia bélica atendendo a interesses econômicos pessoais e a interesses políticos da horda que assume o poder. Um clã determinado a eliminar o terrorismo comunista de nossas terras verdes e amarelas, utilizando justamente o terrorismo clandestino. E com o aval de porta-vozes da democracia, os generais e coronéis.

A concomitância do aniversário de uma morte anunciada com um ataque de esquizofrênicos haters não veio por acaso. Existe sim um paralelo muito cristalino entre esse autoritarismo permissivo e a nossa sociedade senil. Desarmar o povo, portanto, não se trata mais de uma questão de opinião. Esse assunto, somado a tantos outros que nos arrebatam quase todo dia, mostram que nosso ilustríssimo presidente caminha na contramão. Presenciamos uma sequência infinda de declarações atabalhoadas que nada condizem com as falsas promessas de preservação da ordem e retomada do progresso. Nosso representante-mor divide seu tempo alternando polêmicas nas redes sociais e cabeçadas nos decretos assinados por sua caneta Bic. Golden shower é marchinha de Carnaval perto de posicionamentos sobre temas muito mais sérios.

O que sobrou? Essa sensação generalizada de desgosto e desespero. Ânsia de vômito premeditada para cada ataque terrorista, como por exemplo acabar com o financiamento do Sistema S. Não dá mais. É pouco mais de um bimestre com a dolorosa e letárgica sensação de mais de uma década. Não se trata astrologicamente de ano ruim. É relação direta de causa e efeito de um governo mambembe, cujo líder nos envergonha na ONU lá fora e tenta domar seus filhos aqui dentro: o Dedé Bolsonaro, o Mussum Bolsonaro e o Zacarias Bolsonaro.

Até o mais ingênuo dos otimistas há de concordar comigo: a tragédia de Suzano foi só a ponta do iceberg. Muita coisa pior ainda vai acontecer.

Acaba logo, 2019. Já deu, porra.


Nenhum comentário: