Ataques terroristas a mesquitas, em Nova Zelândia, deixam 49
mortos.
É fato, não dá para nos autorreverenciarmos, olhando para o nosso
próprio umbigo, como protagonistas únicos da violência em massa. A decadência é
mundial. A modernidade está nos levando ao ápice da barbárie medieval nas
idades das trevas e da peste negra. Tempos atrás, temíamos as ruas, os becos,
os morros e as favelas, os pontos perigosos e pouco habitados de uma metrópole.
Hoje, devemos temer inclusive os lugares seguros e fechados, as casas de Deus,
os centros de compras, as instituições do saber. Corríamos o risco de perder a
vida diante da posse de supostas riquezas mal distribuídas. Numa espécie de
permuta troglodita, diante de um assalto bastava dar a bolsa em troca de um alargamento
de nossa perenidade. Hoje, como diziam nossos avós, para morrer basta estar
vivo. Basta estar no lugar errado na hora errada. Basta ser alvo da mira de um
psicopata, que escolhe aleatoriamente suas vítimas em nome de um Alá
transgênico ou de uma hipnótica frase de efeito dos esquadrões suicidas de
WhatsApp.
Seria presunçoso demais tentar entender as motivações que
levaram ao ato criminoso lá na terra dos cangurus. Não quero levantar hipóteses
rasas e levianas que discorrem sobre fatores psíquicos mais complexos. Mas
aqui, na república das bananas, precisamos urgentemente levantar a voz e carregar
as recentes atrocidades ao debate. É o mínimo que devemos fazer se quisermos
conviver com uma sociedade melhor. Marielle Franco completou seu primeiro
aniversário de morte e ainda falta muito para ser investigado. E o massacre na
escola de Suzano deixou claro que educação e porte de armas são faces de uma
mesma moeda.
Não dá para se afirmar categoricamente que o liberou geral da
posse de armas facilitou o atentado. É bem provável que ele teria acontecido de
qualquer jeito, mesmo se a lei não fosse promulgada. Podemos aqui tecer laudas
e laudas para se tentar entender o passado. Mas, antes de tudo, é necessário
discutir propostas para o futuro. Nesse sentido, o nosso governo tem pisado
feio na bola. Armas não combatem armas. Pelo menos não nas mãos de pessoas erradas
e despreparadas, os tais “cidadãos de bem”. Livros é que combatem armas. Educação
de Primeiro Mundo, não essa patacoada baseada no ensino à distância, no
obscurantismo religioso, no menino azul e menina rosa, na cantoria do Hino
Nacional e no terraplanismo. É inadmissível nosso país ter como ícones dos
propedeutas o Olavo de Carvalho e o Alexandre Frota. Estão querendo destituir a
classe professoral de suas funções básicas. Professor não pode nem deve andar
armado. Nem o bedel dos corredores. Nem o motorista da perua. Muito menos o
dono da cantina. Quem tem que andar armado, e muito bem armado, é a polícia que
faz rondas escolares. Que deveria ser muito mais ostensiva. Assim como os equipamentos
de segurança da escola deveriam ser muito mais modernos e eficientes.
Quem se beneficia com a legalização das armas, ao contrário
do que se possa imaginar, não é a população. É o grupo de milicianos que
contrabandeia fuzis falsificados de grande porte. Que, por uma terrível
coincidência, moram no mesmo condomínio da família presidencial. E, por uma outra
grande coincidência, foram condecorados no passado por essa mesma família
devido aos serviços prestados. E, por uma coincidência maior ainda, são
acusados de matar aquela vereadora cujo pôster foi rasgado por essa mesma
família real. Assim o ciclo se fecha. A máfia bélica atendendo a interesses
econômicos pessoais e a interesses políticos da horda que assume o poder. Um
clã determinado a eliminar o terrorismo comunista de nossas terras verdes e
amarelas, utilizando justamente o terrorismo clandestino. E com o aval de
porta-vozes da democracia, os generais e coronéis.
A concomitância do aniversário de uma morte anunciada com um
ataque de esquizofrênicos haters não veio por acaso. Existe sim um paralelo
muito cristalino entre esse autoritarismo permissivo e a nossa sociedade senil.
Desarmar o povo, portanto, não se trata mais de uma questão de opinião. Esse
assunto, somado a tantos outros que nos arrebatam quase todo dia, mostram que
nosso ilustríssimo presidente caminha na contramão. Presenciamos uma sequência
infinda de declarações atabalhoadas que nada condizem com as falsas promessas de
preservação da ordem e retomada do progresso. Nosso representante-mor divide
seu tempo alternando polêmicas nas redes sociais e cabeçadas nos decretos
assinados por sua caneta Bic. Golden shower é marchinha de Carnaval perto de
posicionamentos sobre temas muito mais sérios.
O que sobrou? Essa sensação generalizada de desgosto e
desespero. Ânsia de vômito premeditada para cada ataque terrorista, como por exemplo
acabar com o financiamento do Sistema S. Não dá mais. É pouco mais de um
bimestre com a dolorosa e letárgica sensação de mais de uma década. Não se
trata astrologicamente de ano ruim. É relação direta de causa e efeito de um
governo mambembe, cujo líder nos envergonha na ONU lá fora e tenta domar seus
filhos aqui dentro: o Dedé Bolsonaro, o Mussum Bolsonaro e o Zacarias
Bolsonaro.
Até o mais ingênuo dos otimistas há de concordar comigo: a
tragédia de Suzano foi só a ponta do iceberg. Muita coisa pior ainda vai
acontecer.
Acaba logo, 2019. Já deu, porra.
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