domingo, 24 de maio de 2020

É de chorar


Quando os profissionais de marketing do banco Bradesco solicitaram à sua agência de propaganda um comercial para TV, muito provavelmente o briefing deve ter sido: “quero um filme que faça as pessoas chorarem”. Conseguiram. No momento mais crítico da saúde pública em nosso planeta, não dá pra ficar insensível àquela sequência de imagens de crianças brincando de médico, ao som da música Fascinação, traduzida pelo compositor Armando Louzada e interpretada pela inconfundível voz de Elis Regina.

Claro. Esse comercial é uma obra de ficção. A realidade é um pouquinho diferente. E mais dura. E mais perversa. Nos noticiários que intercalam os 30 segundos de comovente ternura, percebemos a sina diária e suas consequentes dificuldades dos microempreendedores para se conseguir crédito facilitado com as instituições bancárias. Ao contrário do que o Governo Federal prometeu. Não se trata de acusar aqui especificamente o Bradesco, o Itaú, o Santander. Os bancos, como um todo, estão impondo uma série de barreiras e restrições ao crédito a tal ponto de tornar essa tarefa inviável. Não há liquidez no mercado. O dinheiro, portanto, ficou muito mais caro. E, pela lei da oferta e da procura, ganha o privilégio quem puder pagar melhor. Ou, pelo menos, oferecer garantias mais consistentes de zerar suas dívidas e honrar esse triste compromisso. Essa situação surreal não só fere a lógica do sistema como também coloca em xeque o próprio capitalismo. O pequeno empresário solicita um empréstimo mas, para isso, precisa demonstrar que tem caixa para pagar esse empréstimo. Meus senhores, estamos vivendo numa pandemia. Situação de calamidade pública. Não é pedir demais algum tipo de flexibilização, de todas as partes, em todas as esferas da roda econômica. Como é que a manicure, o dono de academia, o dono de um bar, o professor de Inglês conseguem comprovar sua fonte de rendimentos dos últimos dois meses, sendo que esse é justamente o período do início da quarentena e eles foram obrigados a fechar seus estabelecimentos? Que tipo de sentimento verdadeiro os bancos procuram causar quando recusam distribuir esse montante de dinheiro no sentido de não corroborar com uma sociedade ainda mais injusta? Ou o comercial não passa de uma mentirinha, uma brincadeirinha de ninar ao embalo da maior cantora do Brasil?

Senhores profissionais de marketing do Bradesco e de todas as instituições bancárias privadas e públicas desta nação sem noção: vocês conseguiram. Todo esse baixo clero da Economia, que emprega a maior parte dos assalariados, que de fato movimenta a ciranda financeira do nosso arrasado país, está chorando. De tristeza. De desespero. De angústia. De desesperança. Não é nada fácil abrir um sorriso quando não há o que se colocar na mesa pra comer. Aqui ficam meus parabéns. Vocês causaram uma comoção social muito maior do que imaginavam.


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