sábado, 29 de agosto de 2020

País gramatical

 

Brasil. Terra de muitas orações e pouca sabedoria. Sujeitos que roubam, que matam, que lavam dinheiro em álcool gel e são afastados de seus cargos. Gastam o verbo em campanhas – e gastam a verba onde não deviam quando são eleitos. Desmatam as nossas florestas, mas as provas são inexistentes e os locais, indeterminados. Agentes subordinados que racham seus salários para sustentar seus partidos, enquanto seus chefes racham o bico. Presidente diminutivo que governa em primeira pessoa do singular, no modo imperativo, cercado de adjuntos adnominais sem valor sintático. Usa o pronome possessivo para se perpetuar. Vontade de tacar um objeto direto na boca de quem pergunta. Ministra que fala por metáforas, ministro que enxuga hipérboles. Equipe dos predicados mais sórdidos. Estatísticas pospostas, criando a silepse perfeita de uma dor aguda e uma situação grave. Denúncias de verbos irregulares. Decretos à revelia, com crase e com crise. Cheques pronominais depositados para a esposa. Verbos de ligação que conectam um esquema oblíquo entre uma família, a milícia e as falsas notícias. Planos de governo no modo gerúndio e o saudosismo no pretérito mais que perfeito de uma época das forças ocultas. A população agoniza na voz passiva. A corrupção deveria ser transitiva, mas não é. O país do futuro do presente é este, com todas as regalias garantidas pelos artigos definidos da lei.

 

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