domingo, 13 de setembro de 2020

Pernilongos

 

Em algumas situações, sou totalmente a favor da pena de morte. Ácaros, bactérias, baratas, pulgas, marimbondos, todos eles devem queimar nas labaredas do Inferno. O Aedes aegypti, então, merece passar a Eternidade sendo torturado pelo próprio demo, pelo fato de ter cometido triplo homicídio doloso.

Entre milhões e milhões de insetos, queria falar um pouco mais dos pernilongos. Estou acompanhando relatos de amigos e percebendo que eles de fato invadiram a cidade. Em pleno inverno. Não sei se é por causa das inversões climáticas causadas pelo aquecimento global, ou eles simplesmente estão vendo que a imprensa está voltada para o coronavírus para poderem passar a picada. Eu, por exemplo, compartilho a angústia dos meus amigos e confesso que estou sob constantes ataques.

Você, leitor precavido, prudente e consciencioso, deve achar que não é necessário nenhum textão pra falar sobre isso. Basta passar um inseticida pela casa e ta tudo resolvido. NÃO. Já borrifei latas e latas de spray pelo ambiente. Se acender um fósforo, pega fogo. Quase causei um curto-circuito na residência, de tantos refis de tomada que instalei. Mesmo assim, eles continuam incólumes, prontos para abater a próxima vítima. Que, no caso, sempre sou eu.

A minha raiva dos pernilongos se justifica. Tudo bem querer chupar meu sangue. É um direito da natureza. Faz parte da cadeia alimentar, do ciclo biológico. Tenho mais de um galão de sangue correndo pelo meu corpo, umas gotículas da substância não vão me fazer falta. Além disso, estarei ajudando na distribuição de hemoglobinas pelo país, que sofre tanto com as desigualdades. O problema é que, para o filho-da-puta do inseto, não basta pousar para se abastecer. Ele antes precisa emitir seu arauto do ataque. Um aviso sonoro, um irritante zumbido que não deixa ninguém dormir. Como se não bastasse, após sorver nosso líquido vermelho o bichano deixa como legado uma horrível protuberância na nossa pele. Uma disforme e arredondada cicatriz efêmera, acompanhada por um prurido incômodo e incessante como gorjeta de sua refeição. Portanto, desejar a morte súbita a esse verme é o mínimo que eu posso fazer.

Existem dois tipos de inseticida: o raiz e o nutella. SBP é um produto nutella. Você vê lá na propaganda que ele é TERRÍVEL contra os insetos, mas o máximo que ele faz pro bicho é “buu”. Pode passar na casa inteira, não adianta nada. O máximo que você vai conseguir é uma tosse. Certeza que sua química deve chegar pro pernilongo e falar “desculpa atrapalhar a atenção de vocês, eu poderia estar empesteando lavouras, eu poderia estar causando um mal terrível à camada de ozônio, mas vim aqui pedir a colaboração de vocês para que, por obséquio, tenha a bondade de se retirar”. Não tem como um himenóptero se amedrontar diante de um composto tão emo. O tal terrível deve só fazer cócegas, e olhe lá. Costumo despejar o líquido em todas as cantoneiras dos quartos, teto, janelas. Parece que estou fazendo uma dedetização em casa. Mesmo assim, eles escapam. Quando encontro um pernilongo voando e lanço um jato de SBP diretamente sobre ele, o bichinho até ri da minha cara. Na cabeça dele, é a mesma coisa que anunciar um assalto com um revólver de plástico.

Já o inseticida raiz é diferente. Esse sim tem meu total apoio e respeito. Mortein, por exemplo. O próprio nome já assunta. Diz a que ele veio. Pra mim inseto bom é inseto morto. E o inseticida verdadeiramente eficaz tem que ser um serial killer. Missão dada, missão cumprida. Tem que ter uma embalagem horrível, com estampa de caveira, imagem de óbito de barata e funeral da dengue com aquele X vermelho circunscrito. Só de olhar esse troço o voador já desmaia. Inseticida bom tem que ser eleitor do Bolsonaro. A favor do porte de armas, da agressão e da truculência. Nada de mimimi, de proteção dos direitos entomológicos.

Bom mesmo era o Flit. Saudades desse matador de aluguel. Quem é da geração millennial nunca deve ter ouvido falar. Parecia um avião da Segunda Guerra. Era nada mais do que uma bomba de encher pneu de bicicleta, acoplada a uma lata de ervilhas que servia como tanque de combustível. Sua fumaça deixava um rastro tão denso que era possível até coletar com as mãos as gotículas que iam pro chão. Aquilo fazia um estrago da porra na vítima. O Flit executava seus alvos sem deixar vestígios dos cadáveres. Quando a gente borrifava o ambiente com essa substância assassina não podia adentrar o recinto por questão de dias. Acho que o Flit é responsável por metade da poluição do Rio Tietê, de tão tóxica que era sua composição química. Mas aquilo sim funcionava. O morteiro aéreo das gerações passadas, enterrado como indigente nos anuários de propaganda velha.

 

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