quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O passado vai passar

 Vi ontem no noticiário que uma manada de elefantes asiáticos atravessou parte do sudoeste da China e invadiu casas e plantações. No mesmo programa, no bloco imediatamente posterior, falou-se sobre o desfile militar de carros blindados das Forças Armadas, que saíram do Rio de Janeiro e foram até o Palácio do Planalto, em Brasília, com o objetivo de se entregar a Jair Bolsonaro um convite para o treinamento dessa maquinaria pesada. Faz todo sentido. Intencional ou não, o telejornal estabeleceu uma analogia tão lógica quanto patética. Esse paquidérmico exibicionismo de tanques, lança-foguetes e outras carroças bélicas, bancado com o dinheiro público que saiu do seu bolso, mostrou o quão selvagens ainda somos diante das novas trajetórias mundiais. 

Esse ato anacrônico coincidiu precisamente com dois eventos na esfera política. Concomitantemente ao nababesco séquito estava sendo votada pela Câmara dos Deputados a PEC do sufrágio impresso auditável. Na outra ponta, generais e coronéis estavam sentados no banco dos réus e investigados para depor na CPI da Covid, na condição de intermediadores de negociatas. Por essa razão, o cortejo verde-musgo foi interpretado, além de descabido e desnecessário, como uma demonstração de força de Bolsonaro, uma ameaça, uma provocação à democracia e suas instituições. Discordo. Esse ato ridículo está mais para um retrato do que uma afronta.

É notório que Bolsonaro tem um apego exacerbado pelos costumes conservadores. Nutre uma obsessão compulsiva por fardas. Bate continência quase como um tique nervoso. Assistir a uma demonstração como essa enquanto o país se desmonta, portanto, não é nenhuma surpresa ou novidade. Essa é a prioridade de seu não-governo. Nos tempos da informática, das redes sociais, um convite poderia muito bem ser feito por e-mail ou WhatsApp. Ou, na pior das hipóteses, por meio de um impresso a ser entregue por courier ou enviado pelos Correios. Não era você que queria provar mais eficácia e agilidade da estatal após a privatização, senhor presidente? 

Como já sabemos, o Brasil é um pária universal na questão ambiental. Enquanto as nações desenvolvidas discutem em caráter de urgência, no ano em que estão ocorrendo as maiores catástrofes climáticas da história, os líderes do nosso trespassado território parecem não dar a mínima. Coloca-se em pauta a redução da emissão de gases poluentes na atmosfera, a desaceleração na fabricação de equipamentos movidos a combustíveis fósseis, o desenvolvimento de fontes de energia renovável, e por aí vai. Aqui, não. Muito pelo contrário. Vivemos no eterno retorno do retrocesso. No saudosismo de meio século atrás. Ostentar pelas ruas essas engenhocas ultrapassadas é, portanto, uma questão de coerência. Essa passarela de enfileirados répteis rastejantes, rotundos, morosos e poluentes, trouxe ao nosso imaginário o  tragicômico festival de horrores, como se o país tivesse acabado de ser convocado para batalhar na Primeira Guerra Mundial. Não vejo nenhuma prerrogativa de golpe de Estado quando nosso líder se mostrou hipnotizado e embasbacado por meros canhões de Navarone atrapalhando o trânsito do progresso. Não há uma articulação programática para isso. O que assistimos foi apenas um ritual de culto e endeusamento a um passado carcomido de ferrugem. Datado e antiquado como o voto em papel, prestes a rodar num mimeógrafo e ser enviado ao TSE por fac-símile. Bolsonaro é a selfie polaroide desse retardo, 

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