quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Calem a boca

 São Paulo, 9 de fevereiro de 2022.

Repetindo: maior metrópole da América Latina, dia 9 do segundo mês do 21º ano do terceiro milênio. Brasil.

Entra para os trending topics um podcaster, do qual nunca ouvi falar, que, em seu programa de entrevistas, comenta sobre a necessidade de existência de um partido nazista no país. Pouco depois, se retratou. Pediu desculpas, alegando estar bêbado. Mas o estrago já estava feito.

O influencer em questão parecia se justificar rebatendo que, na forma, o programete não tinha grandes pretensões políticas ou acadêmicas. Aquele episódio foi, de acordo com suas palavras, fruto de uns idiotas falando bobagem. Como se fosse uma conversa de bar. Com esse clima "solto", de descontração. E você já sabe: em papo de bar, bebe-se. Pra caralho. Para o alvo deste assunto, o tom ébrio do colóquio informal poderia servir de salvo-conduto para o vale-tudo. Neste botequim familiar pode se falar o que quiser. Só que tem uma diferença: ao contrário do minúsculo reduto pé-pra-fora de azulejos brancos na parede, o podcast concentra milhares de ouvintes. E anunciantes que pagam caro para que suas marcas sejam ali expostas.

Talvez para Bruno Aiub, pivô dessa unânime discórdia, o Brasil esteja mesmo politicamente mal representado. É preciso que a legislação em vigor reconheça a legitimidade de um partido nazista. Não que ele seja. pelo amor dos meus filhinhos. Não que ele saia por aí matando judeus, roubando seus ouros e colocando as vítimas dentro de uma câmera de gás. De jeito nenhum. Ele apenas quis demonstrar que essa terra de ninguém precisa urgentemente dar vazão a vozes oriundas do inferno. Só assim teremos, de fato, uma nação plural. Um país composto por partidos e coligações políticas que representem, por exemplo, em absoluta legalidade, as castas milicianas. Ou os membros da Ku Klux Klan. A volta dos integralistas. Talvez, quem sabe, os líderes das seitas que promoveram mundo afora o suicídio coletivo. Sim, o Congresso Nacional carece de uma diversidade religiosa diante de sua maioria terrivelmente evangélica. É preciso trazer esses gurus do além para romper a hegemonia pouco salutar à democracia. Que o STF dê a eles o direito de pleitear um cargo aos poderes Legislativo e Executivo. Cabe à sociedade decidir, por livre arbítrio, se essas pústulas ambulantes são dignas e merecedoras de ocupar uma cadeira na Casa do Povo.

Por falar em guru, não me espanta nem um pouco o fato de que o Brasil desses desajustados medievais tenha decretado luto oficial em homenagem ao "pensador" que acreditava na Terra plana e na apologia ao comunismo nas letras das músicas dos Beatles. Faz todo sentido. Só mesmo essas ideias conspiratórias para regar a mentalidade de quem acredita que o genocídio parlamentar seja algo possível.

Volto a repetir, quantas vezes forem necessárias. Não se trata de opinião. De ponto de vista. De troca de ideias por meio de confronto. Não encaro como "tudo bem" um cidadão favorável ao fechamento do Congresso, embora ele mesmo não vá lá pessoalmente e atire bombas e fogos de artifício à instituição. Não aceito negacionistas se recusarem a tomar vacina, vestir máscara ou apresentar passaporte vacinal em prol de um suposto "direito de ir e vir". Não vejo como "normal" o indivíduo que corrobora com a proliferação de grupos de extermínio e de intolerância racial, mesmo que eles próprios não façam parte dessas seitas. Eles não são iguais a mim, apenas navegando em sentidos opostos. São inferiores, bastante inferiores.

Triste do país que se calou para as mais de 600 mil mortes. Que trouxe de volta o conservadorismo e o retrocesso em praticamente todas as suas áreas e competências. Que acabou de aprovar uma redução drástica no teto de patrocínio da Lei Rouanet. Um país que, entretanto, deu voz a esses energúmenos que pipocam por aí nas suas bolhas sociais. Não é à toa que o digital influencer carregue o apelido de um regime de governo pra lá de obsoleto. Ele, assim como os demais ratos de esgoto que emergiram nesse lodaçal de ideias estapafúrdias, merecem somente cair no esquecimento. A gente não precisa desse Absolutismo ideológico.


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