sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

O bom marketing

Ultimamente, a gente vem sendo atacado por notícias de empresas, megaempresas e conglomerados passando por situações vexatórias resultantes de uma péssima administração. Livraria Cultura, Lojas Americanas, Lojas Marisa, e a contagem só tende a subir. Pedidos de falência ou recuperação judicial decorrentes de fatores que só mostram que o nosso sistema capitalista predatório naufragou. De inconsistências contábeis a calote em fornecedores. De fusões e aquisições mal sucedidas a processos trabalhistas em curso. De manipulação de dados a assédio moral.

Mais ultimamente ainda, em pleno Carnaval, pudemos assistir ao espetáculo do paradoxo que culminou com uma mistura de sensações entre a alegria e a tristeza. No meio de uma das piores catástrofes históricas provocadas pelas chuvas torrenciais em parte do nosso país, o principal anunciante da mais famosa bebida gelada que serve pra nos refrescar do calor desembolsou R$ 10 milhões para uma beldade aparecer por algumas horas em seu camarote. A iniciativa em si não foi nada proibitiva ou criminosa. Mas fica aqui a indagação da pertinência do gesto. Seria uma verba mal aplicada? Seria o cúmulo da ostentação e do desperdício? Até que ponto podemos considerar ético um cachê milionário diante de notícias diárias de pessoas passando fome? Cifras incalculáveis no mundinho da Propaganda servem pra mostrar quem é que manda nos negócios deste país?

Em meio ao lodaçal de escândalos, com empresas chafurdando na lama de falcatruas, surge um gritinho de esperança nos escombros de todo esse desastre. Viralizou ontem nas redes sociais uma postagem elogiando a atitude corajosa e benfeitora dos proprietários do restaurante Pimenta Rosa, na Barra do Sahy, litoral norte de São Paulo, uma das regiões mais afetadas pelas enchentes. De acordo com o relato, os donos ofereceram comida (almoço e jantar) de graça aos frequentadores. Também disponibilizaram sinal de wi-fi gratuita pois, como sabemos, foi muito difícil a comunicação entre parentes durante o período mais crítico.

A reação de quem leu, me parece, foi quase de um choro tímido, igual a resposta às notícias de pessoas encontradas com vida no meio de tantas outras soterradas. Foi como um brilho de luz que se acendeu na sociedade. Enquanto soubemos que tinha comerciantes vendendo o litro de água por cerca de R$ 100, o casal do restaurante optou pelo diletantismo nesse momento de terras tão úmidas e sentimentos tão áridos. A solidariedade invadiu a ganância. 

O Pimenta Rosa nada mais fez do que usar na divulgação o seu próprio produto. Não apelou às grandes mídias para se passar por empresa inclusiva. Não usou atores globais ou modelos internacionais em sua comunicação. Não fez promoção-relâmpago. Não usou a tragédia como oportunidade para alavancar os negócios. Ninguém produziu posts, cards e carrosseis usando a linguagem dos participantes do BBB. Muito menos coreografaram as dancinhas ridículas do Tik Tok. Apenas fizeram - e muito bem - aquilo que estão acostumados a fazer: servir os clientes. Isso gerou mídia espontânea, coisa disputada a tapas pelas grandes marcas.

Parece que o Pimenta Rosa, nesse momento tão trágico, mandou o capitalismo à merda. Ignorou seu princípio básico - a lei da oferta e da procura - para tentar oferecer um pouco mais de bondade a quem realmente precisou dela. Sem essa tralha de pagamento por aproximação, pix, leitura por QR Code, parcelamento da compra, empréstimo consignado, utilização de pontos de programa de fidelidade, nada. Simplesmente abriram mão da moeda que faz nossa economia girar.

Parabéns aos envolvidos. Pela quantidade de novos simpatizantes e futuros fregueses, o retorno financeiro está garantido. Agora, o que mais conta é o retorno emocional. Longe de mim passar a acreditar na Humanidade. Mas a aparição generosa do Pimenta Rosa no meio da turbulência foi um ponto fora da curva e dos raios.


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