sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Tudo errado

Não, não é a Gisele Bündchen. Ela pode fazer a propaganda que quiser, para o anunciante que bem entender. Tem o direito de cobrar o cachê que merece.

Não, não é a Gisele Bündchen. Ela chegou aonde chegou por méritos próprios, muito profissionalismo e uma rara beleza. Não puxou o tapete de ninguém, não dormiu com executivos do alto escalão, não usou em causa própria sua fama e sua notoriedade.

Não, não é a Gisele Bündchen. O sucesso de sua carreira internacional deve ser é aplaudido. Não consigo escutar uma sílaba das músicas da Anitta, mas jamais boicotei seu êxito no exterior. Minha dor-de-cotovelo com celebridades para exportação não chega a tanto.

A culpa não é da Gisele Bündchen. Mesmo nascendo loira e rica num país preto e pobre. Mesmo ostentando um trema em seu sobrenome, o que lhe confere a carga elitista de uma nobreza que já não existe mais. Mesmo permanecendo no Brasil só de vez em quando, como se aqui estivesse de férias, a passeio, como turista. De tanto desfilar nas passarelas estrangeiras, das marcas de roupas de grife do mundo inteiro, até vem aos poucos desaprendendo a falar o Português. E daí que namorou o papa-anjo do Leonardo di Caprio? E daí que tentou ser atriz em Hollywood?

Talvez os culpados sejam os empresários brasileiros. Que não medem esforços nem poupam dinheiro para que suas marcas estejam numa evidência gritante, a tal ponto de poderem ser vistas em Marte. Que pagam R$ 10 milhões para a garota-propaganda ficar no camarote por algumas horas bebendo água, e R$ 200 para a atendente servir durante a noite inteira o lúpulo patrocinador aos convidados nesse mesmo evento. Que não enxergam os limites éticos entre sustentar uma boa imagem e promover o desperdício. Que esbanjam fortunas, como aqueles engravatados que lançam cédulas de dinheiro com os dedos num puteiro, mas pagam merreca a toda a sua cadeia produtiva pejotizada, do entregador de engradados de boteco aos marqueteiros de escritório com ar-condicionado. 

Talvez os culpados sejam essa elite brasileira, especificamente os clãs bolsonaristas de meia-dúzia de famílias. Que se metem em enrascadas comerciais, mas são vistos pela sociedade como empreendedores. Que abrem um monte de CNPJ e criam sociedades espúrias, ganhando o bônus de participação nos lucros. De Ambev a Americanas. Hordas de novos-ricos, com sobrenome de cidade criada nas ficções de Dias Gomes. Conseguiram a proeza de trazer o coronel Odorico Paraguaçu de volta à nossa realidade.

Talvez o culpado seja o Governo, que sempre foi uma mãe para essa corja toda. Vem como um salva-vidas socorrer dívidas bilionárias. Acalentar os prejuízos astronômicos, oferecer soluções amigáveis para que esses empresários continuem usufruindo de todas as regalias possíveis. Pessoas que nunca entraram, e jamais precisarão entrar, na fila do seguro-desemprego. Não vão precisar baixar o aplicativo do Auxílio Brasil. Porque a ajuda emergencial para essas operações fraudulentas não vem a conta-gotas, mas traz junto toda uma rede envolvendo bancos, acionistas, linhas de crédito, suporte internacional. Não, esses novos Eikes Batistas nunca vão perder uma noite de sono.

Talvez o culpado seja o foco. O Brasil de ontem colocou os miseráveis como manchete. Hoje, quem ocupa a mídia são os bilionários. E, enquanto não houver alguma retaliação para suas práticas nocivas, eles vão continuar distribuindo cachês estratosféricos para celebridades, em campanhas de produtos que matam a sede mas não acabam com a fome dos 33 milhões de brasileiros.

Talvez o culpado seja o marketing. Que precisa investir muito para que sua marca continue na mente do consumidor e seja amada pelo país. Uma empresa que começa com "Br" de Brasil, mas pouco faz pelos brasileiros. Vende um líquido insípido, com gosto de mijo, feito de restos de plantação de milho, perde feio para as cervejas artesanais, causa dor de cabeça e ainda culmina com a mentira de uma cremosidade que não existe. 

Talvez a culpada seja a boa e velha Propaganda. Que permanece velha, mas já não é tão boa assim. Usando as mesmas fórmulas batidas do fim do século passado. Que dá de ombros para iniciativas de responsabilidade social. Que continua patrocinando apenas gente bonita. Publicidade gasta, financiada por clientes que não aprovam ideias mais criativas. Não enxergam ousadia a um palmo de distância de seu nariz. E fazem mais do mesmo. Necessitando de verbas vultosas para que seu conteúdo medíocre seja minimamente lembrado pelo apreciador de cerveja.

Tá tudo errado. Muita gente tem culpa no cartório desse fiasco que foi o camarote Brahma no Carnaval. Menos a Gisele Bündchen.


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