sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Marcas

Era um dia como outro qualquer. Acordei cedo, fui tomar banho, escovei os dentes com um dentifrício anticáries, limpei os ouvidos com hastes de algodão flexíveis e fiz a barba com um aparelho de lâminas de aço inoxidável. Estava atrasado. Nem deu tempo de tomar café direito. Peguei um pote de iogurte fermentado pronto para beber e mandei ver. Nem reparei que na mesa tinha uma tigela de leite com flocos açucarados de milho misturados ao achocolatado em pó matinal. Paciência. Coloquei na mochila meu frasco de leite fermentado com probióticos lactobacilos vivos e saí correndo.
Chegando ao escritório, todo mundo reparou que eu estava atrasado. Ninguém te cumprimenta quando você chega cedo. Mas basta calcular mal o tempo, chegar 20 minutos depois do horário, aí todo mundo te olha feio. Sim, eu perdi a hora, a cama estava deliciosa, gastei um tempão procurando minhas sandálias emborrachadas que não deformam nem soltam as tiras, mas isso não é motivo para tanta conspiração. Além disso, no meu bairro os motoristas de ônibus estavam em greve, fui obrigado a pegar um coletivo elétrico. Mas isso não vem ao caso. Percebi que a coisa estava tensa quando, ao ligar meu computador pessoal, vi um monte de recados afixados em pequenos papeis autoadesivos amarelos. A maioria foi meu chefe quem pregou, bem no meio da tela. Dois deles fui eu mesmo: não esquecer de ir ao supermercado, procurar um par de meias femininas de fibras sintéticas de elastano e comprar um pacote de palha de aço (dizem que essa mercadoria possui mil e uma utilidades; eu não conheço mais do que meia dúzia).
Fui almoçar. Escolhi o trivial: a lanchonete do palhaço vermelho e amarelo. Pedi um sanduíche composto por dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles, num pão com gergelim. Pra beber, um refrigerante gaseificado à base de cola. A sobremesa eu preferi comprar na mercearia em frente ao estabelecimento. Catei um chocolate com leite condensado caramelizado coberto por flocos crocantes e um delicioso chocolate acobertando este açucarado cilindro.
À tarde, a mesma rotina. Entrar no site de busca pela internet. Procurar o nome do fabricante de panelas antiaderentes. Despachar um monte de encomendas via serviços de entrega expressa, e só. Aquela mesmice me cansava. Não via a hora de voltar pra casa.
Fui pro aconchego do meu lar, extasiado. O que eu mais queria era ouvir Mozart no meu toca-discos de vinil, bebendo vinho branco espumante. E, antes de dormir, quem sabe, beliscar uns palitos de wafer com camadas finas de chocolate. Pensando bem, não. A dor de cabeça não me deixou. Dormi profundamente sob os efeitos do ácido acetilsalicílico.


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