Era um dia como outro qualquer. Acordei cedo, fui tomar
banho, escovei os dentes com um dentifrício anticáries, limpei os ouvidos com
hastes de algodão flexíveis e fiz a barba com um aparelho de lâminas de aço
inoxidável. Estava atrasado. Nem deu tempo de tomar café direito. Peguei um
pote de iogurte fermentado pronto para beber e mandei ver. Nem reparei que na
mesa tinha uma tigela de leite com flocos açucarados de milho misturados ao
achocolatado em pó matinal. Paciência. Coloquei na mochila meu frasco de leite
fermentado com probióticos lactobacilos vivos e saí correndo.
Chegando ao escritório, todo mundo reparou que eu estava
atrasado. Ninguém te cumprimenta quando você chega cedo. Mas basta calcular mal
o tempo, chegar 20 minutos depois do horário, aí todo mundo te olha feio. Sim,
eu perdi a hora, a cama estava deliciosa, gastei um tempão procurando minhas
sandálias emborrachadas que não deformam nem soltam as tiras, mas isso não é
motivo para tanta conspiração. Além disso, no meu bairro os motoristas de ônibus
estavam em greve, fui obrigado a pegar um coletivo elétrico. Mas isso não vem
ao caso. Percebi que a coisa estava tensa quando, ao ligar meu computador
pessoal, vi um monte de recados afixados em pequenos papeis autoadesivos
amarelos. A maioria foi meu chefe quem pregou, bem no meio da tela. Dois deles
fui eu mesmo: não esquecer de ir ao supermercado, procurar um par de meias
femininas de fibras sintéticas de elastano e comprar um pacote de palha de aço
(dizem que essa mercadoria possui mil e uma utilidades; eu não conheço mais do
que meia dúzia).
Fui almoçar. Escolhi o trivial: a lanchonete do palhaço
vermelho e amarelo. Pedi um sanduíche composto por dois hambúrgueres, alface,
queijo, molho especial, cebola e picles, num pão com gergelim. Pra beber, um
refrigerante gaseificado à base de cola. A sobremesa eu preferi comprar na
mercearia em frente ao estabelecimento. Catei um chocolate com leite condensado
caramelizado coberto por flocos crocantes e um delicioso chocolate acobertando
este açucarado cilindro.
À tarde, a mesma rotina. Entrar no site de busca pela
internet. Procurar o nome do fabricante de panelas antiaderentes. Despachar um
monte de encomendas via serviços de entrega expressa, e só. Aquela mesmice me
cansava. Não via a hora de voltar pra casa.
Fui pro aconchego do meu lar, extasiado. O que eu mais
queria era ouvir Mozart no meu toca-discos de vinil, bebendo vinho branco
espumante. E, antes de dormir, quem sabe, beliscar uns palitos de wafer com
camadas finas de chocolate. Pensando bem, não. A dor de cabeça não me deixou.
Dormi profundamente sob os efeitos do ácido acetilsalicílico.
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