terça-feira, 27 de agosto de 2013

Não pode ser

Eram quase 2 e meia. Quase meia hora de atraso por parte deles. O Jorge, colega da facu, e a Denise, que conhecemos depois. O motivo do encontro era o fato de não nos vermos há quase uma década. O restaurante era um lugar bacaninha na Vila Madalena, um meio-termo entre os bistrôs indicados pela Vejinha e os pés-pra-fora dos arredores da GV. Jorge chegou, um pouco mais careca e barrigudo do que aquela imagem que eu guardava dele. Denise veio logo em seguida, com um par de óculos, aparelho dentário fixo e alguns gramas de maquiagem a mais. Aliás, muito estranho gente que começa a usar aparelho quando atinge uma certa idade. Parece gente que começa a fumar depois dos 25. Aparelho fixo pra mim era coisa de adolescente.
Escolhemos uma mesa mais afastada da muvuca, pra poder conversar com o mínimo de interferências. Pedimos o cardápio. Pratos temáticos com nomes de celebridades ilustravam a carta, como se fosse uma lista VIP. O Jorge foi do trivial: um steak de mignon ao molho mostarda. Denise preferiu um salmão ao molho de maracujá. Eu ousei na invencionice da casa. Uma trouxinha de massa acobertando frutos do mar e um peixe da estação com molho de cupuaçu coberto por carpaccio de alguma planta vigiada pelo Ibama. Chamamos o garçom. Um rapaz atencioso, beirando seus 28 anos, muito simpático, porém um pouco desengonçado. “E pra beber?”, pergunta ele. Denise foi de suco de laranja, sem açúcar. Jorge pediu uma cerveja, Original. “E você?” “Uma Coca, só com gelo”, respondi. Não entendo essa coisa de colocar limão na Coca. Ela não nasceu pra isso. Não combina. É falso pensar que a acidez do limão quebra um pouco da base cáustica e alcalina da Coca. Na verdade, acho que o limão anula as propriedades originais do refrigerante, que pra mim são imexíveis. O garçom estava quase se retirando quando, na curva, dá meia-volta e me pergunta: “Pode ser Pepsi?”
Não, não pode ser Pepsi. Definitivamente, não. Virou costume fazer essa pergunta, como se estivéssemos trocando seis por meia dúzia. Até entendo que o que está por trás disso é uma jogada mercadológica, em que a empresa exige contrato de exclusividade em troca do fornecimento de geladeiras e luminosos. Mas eu quero a liberdade de escolha, aquela verdadeira liberdade que o neoliberalismo globalizado me prometeu. No supermercado eu posso optar pela marca que quiser. Lá nas gôndolas enlambuzadas de açúcar temos Dolly, Mirinda, Sukita, Schin, Convenção. Por que não posso fazer o mesmo num restaurante? E não adianta o garçom ser simpático pra me fazer engolir Pepsi. Não pode ser. Eu quero Coca-Cola. A empresa Coca pisa na bola em tudo quanto é refrigerante que se mete a fazer. Tem a Fanta Uva, que de tão ruim é bom, e virou símbolo cult de indie, hipster e tranqueira. A Fanta Uva combina com apetrechos desde o PF de boteco até a empanada de espinafre da Augusta. Tem também a Fanta Laranja, que tem tudo menos laranja. Chegaram a misturar o produto com tangerina, carambola, fruta-do-conde, o diabo, pra tentar tirar o mofo das prateleiras. A Coca-Cola teve a pachorra de criar um novo sabor, escolhido por meio democrático de eleições de refrigerantólogos. Nesse pleito, tiveram a pachorra de colocar como opções o infantiloide morango e maracujá. Odeio maracujá. Venceu o maracujá. Parece eleição constitucional, principalmente segundo turno, em que você se vê obrigado a escolher entre o PT e o PSDB. A Coca comprou o guaraná Jesus e fez com que ele perdesse todo o seu charme regionalista de bebida difícil. A Coca não se deu bem com nenhum energético. Tirou de linha o horroroso Gladiator. Tem aí o Burn, que mais parece bebida genérica. A Coca errou a mão com os isotônicos. Pra concluir: a Coca-Cola fabrica o guaraná Kuat. Não precisa dizer mais nada. Em compensação, o refri Coca é imbatível. A marca com maior share of mind do século passado, junto com Bayer, Deus e Pelé. A embalagem rotunda da bebida foi um dos mais perfeitos símbolos fálicos da Humanidade. Em seu acabamento, não em sua semelhança. A Coca-Cola está diretamente ligada ao imperialismo, ao sentido bélico de conquistar o mundo. Aquele líquido de cor indefinível beirando o preto, o roxo e o marrom faz parte do imaginário coletivo dos anos 50, ao lado da icônica Marilyn Monroe e as lanchonetes com banquinhos vermelhos. Coca-Cola lembra Papai Noel. Ouvir a recusa do moçoilo diante do pedido desse mito gaseificado pra mim estava fora de cogitação. Na TV, quem pede Pepsi fica milionário e passa as férias num barco particular. Um mea culpa assumido. Tentativa de reversão do conformismo. No próximo encontro com amigos, pode ser em outro lugar. Pode ser bem melhor.


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