No começo ela parecia um ponto. O sinal gráfico mais
cortante e repentino do discurso. O encerramento justo e lógico de sua maneira
de se expressar ao mundo. Aquele rotundo percevejo cintilava a coerência de seu
raciocínio cartesiano e de sua postura comportamental inequívoca. Um ponto
obsessivo-compulsivo, virginiano, que organiza a mixórdia cerebral e a faz
caber numa frase. Apenas um ponto, seco, escuro, pragmático. Uma dardejante e
certeira partícula de infinito fincada no espaço mais milimétrico do papel. Vi nela
o mais perfeito microcosmo que divide simetricamente o começo, o meio e o fim.
Mas aí vieram as vírgulas. Rabiscos tortos que oferecem
pausas mais ansiosas e apressadas. Curvilíneas nesgas de tinta que abreviam,
ofegantes, aquilo que ela desejava expor. Lascas impressas que interrompem
continuadamente o prazer de existir. Eram vultos que iam e vinham, efêmeros,
lancinantes, ululantes. Entre vírgulas ela estava presa.
Foi na inquietude deste desespero claustrofóbico que
descobri nela as reticências. As dúvidas no lugar das certezas. As divagações,
elucubrações, devaneios. Pontos equidistantes metralhados que refletiam seu
aspecto mais dialético de enxergar a vida. Como um rastro, uma mancha uniforme
solta no papel, as reticências mostravam sua fragilidade diante do universo. E
isso a tornava mais interessante. Bolotinhas ínfimas, suaves como a brisa,
revoavam sobre seu mistério. Ah, o mistério...
Atraído por ela, demonstrei minhas mais sinceras vontades. Parece
que ela gostou. Mas, como foices sedentas de sangue, vieram as interrogações.
Condição humana inevitável de querer descobrir o futuro, controlar o mundo. O
que será de nós? Medo inerente do desconhecido. Quem é ela de verdade? O que
ela quer de mim? Como um freio sobre o andar natural da linguagem, o mais
retorcido dos elementos gráficos encharcou o livro de nossa história com
empecilhos. Estamos fazendo a coisa certa? E se acabar?
Guerra é guerra. Sentimo-nos obrigados a esconder nossas
fraquezas e convocamos a mais poderosa e afiada de nossas armas: o ponto de
exclamação. Espadas reluzentes que bradam nossas convicções. Juntos erguemos
nosso totem hercúleo, o ícone másculo do nosso convívio apaixonado, para
afirmar categoricamente o que nos une.
E foi com a força de nossos elos amalgamados que, olhando um
para o outro, fixamente, furtivamente, construímos a nossa harmônica composição
gráfica: os dois pontos. Símbolo das expectativas do gozo de uma oração.
Preparador físico da apoteose frasal. Como numa relação simbiótica, estes pingos
estelares limparam toda a sujeira escrita pra deixar somente o melhor pro
final. E, como dois olhos negros, esta somatória de caracteres viveu feliz para
sempre nas incertezas do texto.
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