terça-feira, 30 de setembro de 2014

Mulheres

No meio da penumbra desértica estava ela, a mais bela. A mais divina. Reluzente, dona de uma inteligência rara e de um sorriso provocador. Desfilava em close suas curvas salientes e enigmáticas. Tinha admiradores de montão, desde os amigos mais antigos até as vítimas efêmeras de súbitos encontros. Sem sombra de dúvidas, ela fazia o coração acelerar. Podia escolher o homem que quisesse, na hora que bem entendesse. E, como num rapto, escolheu a mim. Decidiu, por critérios mais do que misteriosos, que eu seria a sua perfeita combinação algorítmica. E assim nós, o casal apaixonado, eu deslumbrado, unimos nossas mãos e fizemos juras de amor eterno. Mas a eternidade é um conceito vago e difícil de se concretizar. Aos poucos, ela foi se revelando mais interesseira do que interessante. Numa progressão geométrica, foi exigindo roupas caras e joias raras. Mais raras do que sua inteligência. Ela queria o luxo da vida. Carro do ano, saldo opulento em conta bancária, viagens por todos os cantos do planeta. Ela queria conhecer o mundo, mas não queria conhecer quem estava ali ao seu lado. Por conta de suas exigências tão altas quanto seu QI e pelo desprezo que começou a alimentar pela minha simplicidade, meu ego foi desinflando, até chegar ao mais raso nível geológico. Fui me sentindo prostrado. Chafurdado. Diante dessa desilusão arrebatadora como um pesadelo neo-realista, terminei.
A outra apareceu tão de repente quanto a mudança das estações. Apaixonou-se por mim sem eu precisar fazer o mínimo esforço. Dedicava a mim cada segundo de sua vida. Colocou-me no mais alto pedestal imaginável. Fazia elogios inspiradíssimos, fazia bolos, fazia poesias. Os bolos, confesso, eram mais saborosos do que as poesias. Elevou a minha autoestima aos patamares do Olimpo. Jurou que eu era seu primeiro verdadeiro amor. Ela, sim, fazia-me sentir a última bolacha do pacote. Mas eu não estava preparado para ser o primeiro, tampouco o último. E, com medo de tanta louvação, terminei.
A última mulher desta história apareceu no seu devido tempo: nem tão rápida e arrebatadora como uma lava vulcânica, nem devagar demais como se estivesse roendo pelas beiradas e fazendo reconhecimento de território. Simplesmente ela surgiu. Olhou pra mim e viu nada tão extraordinário nem tão irrisório. Apenas conseguiu me ver, me enxergar de verdade, na minha real dimensão. Sentiu por mim um sentimento tão natural que no começo até estranhei. Não estava deslumbrada, muito menos rigorosa em suas demandas. Ela foi me descobrindo aos poucos, decifrando o que existe de mais autêntico em mim. E esse seu jeito de ser, espontâneo, cativante e curioso como um pesquisador me encantou. Não me idolatrava, não me pisoteava. Foi a única que conseguiu perceber que a soma, o conjunto, é muito maior e mais profundo do que um mais um. Nesse sentido plural de enxergar a vida e aparar as nossas diferenças fomos nos aproximando na incalculável velocidade certeira e verídica do amor. Sem taquicardias, nem flacidez. E foi com ela, a mais completa e translúcida das mulheres que conheci, que resolvi ficar.


2 comentários:

Unknown disse...

tá romântico, hein? gostei!!! ao fundo, ouvi uma das músicas q mais amo de chico: o primeiro me chegou, como quem chega do nada...

Érico Fuks disse...

Sim, o texto foi livremente inspirado nessa letra.