Eis que chega o verão. Calor dos infernos, choque térmico,
chuvas. Aí eu viajo para meu planeta imaginário e avisto lá longe, numa
travessinha de uma rua movimentada, um nababesco rodízio. Nem muito chique, nem
muito popular. R$ 59,90 de segunda a sexta. Crianças e mulheres pagam a metade.
“Costela de homem”, chama-se o lugar. O porteiro abre aquela gigantesca porta
de madeira para uma caravana de fregueses. Eram mais ou menos 250 pernilongos,
que imediatamente foram recebidos pelo maitre e conduzidos até uma mesa distante.
O lugar era aconchegante, mas eles acabaram se sentando ao lado de uma mesa com
quase 1 milhar de outros tantos da mesma espécie, tomando uma mistura alcoólica
e falando muito alto: “Ziiiiiiiiiiiin!!”.
Assim que colocaram os talheres ao lado dos pratos, aproxima-se
o pernilongo-garçom dos drinks. Com ar simpático, rosto sorridente, fala mansa,
logo oferece aos clientes os aperitivos gourmet. “Boa noiteee... Aceitam uma
bebidaaa? Temos suco de medulaaa, caipirinha de glóbulos vermelhooos, água de
sorooo...”.
A colônia de insetos foi se servir à mesa de entradas. Que,
por sinal, estava bastante farta. Dedos do pé, tornozelos, joelhos, lóbulos de
orelha. Um verdadeiro banquete. E, quando voltaram, uma fileira de serviçais
pronta para atender a demanda.
O primeiro garçom-pernilongo perguntou: “Pele de barriga,
senhor?”. “Sim, por favor”. Aí veio o segundo: “Peito, senhor?”. “Não,
obrigado. Este tá com muito pelo”. E assim sucessivamente. “Pele das costas,
senhor?”. “Por favor. Este pedaço aqui, que tá sem tatuagem”. “Coxa, senhor? Tá
caprichado, com muito sangue, bem suculenta”. “Braço, senhor? É o que mais sai.
Tem pele branca, pele negra, pele bronzeada, pele amarela, só escolher”.
A miríade estava se esbaldando naquele divino manjar
sanguíneo. Era tudo muito especial. A certa altura, o pernilongo-gerente veio à
mesa: “Estão sendo bem atendidos, senhores? Está faltando alguma coisa? Querem
que tire o Baygon da tomada?”.
Era muita atenção para um grupo que parecia ter vindo da
guerra. Dava pra desconfiar de tanta gentileza. E essa desconfiança se provou
em mais uma abordagem, um pouco mais assertiva. Passados cinco minutos, o mesmo
gerente-pernilongo volta à mesa e faz outra pergunta: “Alguma carne de
preferência, senhor?”. Era uma maneira relativamente sutil de expulsar o bando
nematocero. Se eles ficassem mais tempo, seria prejuízo para o estabelecimento.
Além do mais, havia uma fila de espera de dobrar a esquina, e ninguém desse
aglomerado aguentava mais picar pele de cachorro de entradinha.
Até que um dos fregueses da mesa, mais ao fundo, fez seu
derradeiro pedido: “Cangote, por favor. Tô esperando há mais de meia hora. De
mulher, bem macio, mas sem perfume. Sou alérgico”.
E veio o cangote para o chato, conforme solicitado. Junto
com a conta e a maquininha de cartão. O retardatário provou, mas falou ao
garçom: “Hmm, sei não... tá meio estranho o gosto... acho que tem repelente”.
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