Caro diário,
Prometi a todos – e principalmente a mim mesmo – que eu
começaria 2020 com uma nova vibe. Todo mundo fala que esse ano é o da mudança,
da renovação, de um novo ciclo. Pois bem. Vou obedecer cegamente aos astrólogos
do Google, aos físicos do Facebook, e acreditar que, a partir da meia-noite e
um minuto do 1º de janeiro de 2020, tudo, absolutamente tudo vai ser diferente.
Até porque muitos amigos estavam me achando reclamão, ranzinza.
De fato, esse ano começou ótimo. Quase entramos numa
Terceira Guerra Mundial. Não dizem por aí que a guerra estimula a produtividade,
faz a economia crescer? Então. Os drones do Donald mataram um líder iraniano
considerado terrorista. Em troca, o país derrubou um avião ucraniano “por
engano”. Quem não se confunde de vez em quando? Liga pro número errado, usa
meias com pares trocados, morde um pedaço de pizza portuguesa achando que é de
peito de peru, atira sem querer num inocente achando que é bandido. Normaaal.
E já que estamos falando no Trump, certeza que ele vai ser o
melhor presidente da história. Aquele rosto de bronzeamento artificial no
micro-ondas propôs um revolucionário acordo de paz entre israelenses e
palestinos... sem os palestinos! Essa coisa de querer agradar a todo mundo é
muito isentão pra mim. Bom mesmo é ter atitude. É que nem propor uma inovadora negociação
entre banqueiros e inadimplentes, favorecendo somente os banqueiros. Trump é
tão foda que até escapou do impeachment. E você sabe por que, né? É pra depois nenhum
Spike Lee querer filmar “Democracy in Vertigo” usando verbas públicas. Deixa o
cara trabalhar em paz, pô!
2020 está sendo supimpa. Nesses 180 dias de janeiro já
pudemos aprender a sutil diferença entre etilenoglicol e dietilenoglicol sem
precisar pagar o olho da cara com as aulas de Química do cursinho Anglo. Tudo é
uma questão de higiene. Se a cervejaria Belorizontina tivesse usado sabonete
Dove pra lavar os reservatórios da cerveja Backer, o produto ficaria
inacessível. Trata-se, portanto, de uma medida de inclusão social. Se morreram
algumas pessoas envenenadas, faz parte. É o custo do progresso. Você não quer
tomar Itaipava ou Glacial a vida inteira, certo? Deixa então o pessoal criar
suas receitas artesanais. Aproveitando o assunto da higiene, tem a questão da
água no Rio de Janeiro. Ela tá com esse cheiro e gosto esquisito por causa dos
produtos adicionados para torná-la ainda mais limpa. É uma água que vem do
esgoto, manja? Então precisa passar por um processo de purificação. Que nem
água de piscina. Tem cloro pra cacete, pra acabar com todas as bactérias
daquele povo que mergulha só pra fazer xixi. Eu confio 100% na Cedae, que diz
que a água é limpa. E pra deixar ela ainda mais limpa, resolveram botar junto
detergente. Detergente de graça, saindo das torneiras! Não sei por que carioca
reclama tanto.
E, por falar em Belo Horizonte, estou plenamente convicto de
que aqueles desmoronamentos e inundações pegaram todo mundo de calça curta.
NUNCA chove em janeiro neste país. Não tinha como se planejar, fiscalizar obras
clandestinas, construir piscinões, alertar a população sobre as áreas de risco,
nada disso. Aquilo foi uma surpresa pra todos. É que nem festa-surpresa de
aniversário. No dia em que você fica mais velho um sujeito te chama no canto,
conta uma história qualquer pra disfarçar, te leva pra outro canto e aí a turma
toda começa a cantar parabéns. IMPOSSÍVEL adivinhar.
E por falar em Guerra Mundial, estou dando pulos de alegria
que integrantes do Governo estão trazendo de volta o nazismo. Um lance meio
vintage, sabe? Essa coisa de avanço tecnológico o tempo todo cansa um pouco. A
gente precisa recuperar valores que a História fez questão de enterrar. Eu
acredito piamente no Roberto Alvim. Ele foi vítima de uma conspiração de seus
assessores. Não tinha como prever que trechos do seu discurso foram extraídos
das falas de Goebbels. É muita informação na internet, não tem como dar conta
de tudo. Tem que analisar o contexto. Alvim não é nazi. O cabelo repartido, a
roupa com cara de farda e a música de Wagner ao fundo serviram de meros
adereços cênicos. E mesmo se fosse, qual o problema? Se Jojo Rabbit pode
brincar com o tema e ainda concorrer a Oscar, por que nosso perseguido
secretário não pode fazer uma brincadeirinha de leve? Foi exonerado
injustamente. Culpa dos Beatles, que introduziram o rock satânico na juventude
perdida. Tenho certeza de que a letra de “Help” fala sobre um pedido de socorro
ao Belzebu. “Yellow Submarine” é uma metáfora ao meio de transporte público
usado pelo Capiroto. Agora quem entra no lugar dele é a Regina Duarte. A eterna
namoradinha do Brasil, mesmo já sendo avó. Com o Sinhozinho Malta mandando nela
o tempo todo, e tendo como diretriz filtrar o marxismo cultural da mente
endiabrada das pessoas, a Cultura finalmente vai entrar nos trilhos.
Este ano tá sendo do caralho pro Brasil. Mais do caralho
ainda no resto do mundo. O brexit finalmente foi aprovado e a Inglaterra saiu da
união europeia. Por uma questão de identidade própria. Os britânicos têm suas
raízes, sua tradição. Não dá pra ficar misturando tudo. Você nunca ouviu falar
da pontualidade italiana. Nem do chá das cinco em Portugal. Imagina se a França
resolve criar seu Sex Pistols! Melhor deixar assim: cada um no seu square.
E a China, então? Agora uma boa parte da população resolveu
andar de máscara justamente pra gente não se confundir. Chinês é tudo igual. Se
já é difícil diferenciar um trio, imagina dois bilhões de gêmeos univitelinos. Pelo
menos com máscara a gente consegue saber quem está e quem não está infectado
pelo vírus. E ainda evita sentir o cheiro do bafo deles. Fica tranquilo: NÃO é uma
epidemia. Ninguém se lembra mais das duchas Corona, um banho de alegria num
mundo de água quente. A cantora Corona e seu único hit “Rhythm of the Night”
logo caíram no esquecimento. O mesmo vai acontecer com essa virosinha de nada.
Estou muito, muito feliz com 2020. E vou ficar ainda mais
feliz quando começar o Carnaval. Já se sabe que São Paulo é o destino preferido
dos brasileiros para o feriado, superando Rio e Salvador. Eu não vejo a hora de
adentrar nas micaretas que duram o mês inteiro. Meu corpo está em pândega. Só
de ver a foto do ano passado, do bloco Unidos do Baixo Augusta ocupando a
Consolação inteira, aquilo já me excita. Uma quantidade de pessoas equivalente
à população do Canadá. Calor humano de verdade. Pessoas se amontoando, um
encosta-encosta de peles suadas, arrastões, roubo de celulares, tudo muito
orgânico. Vamos combinar: é BEM fácil roubar celular nesses aglomerados de
gente. O povo dá muito mole. É que a alegria contagiante é maior do que a necessidade
da posse de bens de consumo. Eu, por exemplo. Se fosse um trombadinha, poderia furtar
uma quantidade de aparelhos que me permitisse criar a filial da Samsung. Bailinho
de Juventus não tá com nada. Eu quero mesmo é fazer parte da história. Ver de
perto as brigas de rua, as depredações no metrô, sentir o cheiro amalgamático
de pinga curtida com vômito, desviar das poças de mijo. Preciso quebrar paradigmas de querer sempre
ouvir rock. O negócio aqui é o samba. “Mother”, do Pink Floyd, é titica perto
da letra do enredo da Nenê de Vila Matilde. E daí que o Brasil é campeão
mundial de feminicídio? Tudo invenção da Globo. Afinal, menina que sai na rua
fantasiada de odalisca quer mesmo é que alguém passe a mão na bunda dela. Talvez
seja um pirata, que no final da festa, pegando a Linha Lilás em direção ao
Capão Redondo, esteja mais pra Jack Sparrow. Ou Marilyn Manson, de tão borrada
que vai estar sua maquiagem. Não importa. O Carnaval deste ano vai ser épico. Bem
como o resto do ano. Assim eu quero acreditar. Pra mim não existe essa de copo
meio vazio. Em 2020 o copo vai estar sempre meio cheio. Nem que seja de água de
esgoto com detergente.
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