quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Muito otimismo


Caro diário,

Prometi a todos – e principalmente a mim mesmo – que eu começaria 2020 com uma nova vibe. Todo mundo fala que esse ano é o da mudança, da renovação, de um novo ciclo. Pois bem. Vou obedecer cegamente aos astrólogos do Google, aos físicos do Facebook, e acreditar que, a partir da meia-noite e um minuto do 1º de janeiro de 2020, tudo, absolutamente tudo vai ser diferente. Até porque muitos amigos estavam me achando reclamão, ranzinza.

De fato, esse ano começou ótimo. Quase entramos numa Terceira Guerra Mundial. Não dizem por aí que a guerra estimula a produtividade, faz a economia crescer? Então. Os drones do Donald mataram um líder iraniano considerado terrorista. Em troca, o país derrubou um avião ucraniano “por engano”. Quem não se confunde de vez em quando? Liga pro número errado, usa meias com pares trocados, morde um pedaço de pizza portuguesa achando que é de peito de peru, atira sem querer num inocente achando que é bandido. Normaaal.

E já que estamos falando no Trump, certeza que ele vai ser o melhor presidente da história. Aquele rosto de bronzeamento artificial no micro-ondas propôs um revolucionário acordo de paz entre israelenses e palestinos... sem os palestinos! Essa coisa de querer agradar a todo mundo é muito isentão pra mim. Bom mesmo é ter atitude. É que nem propor uma inovadora negociação entre banqueiros e inadimplentes, favorecendo somente os banqueiros. Trump é tão foda que até escapou do impeachment. E você sabe por que, né? É pra depois nenhum Spike Lee querer filmar “Democracy in Vertigo” usando verbas públicas. Deixa o cara trabalhar em paz, pô!

2020 está sendo supimpa. Nesses 180 dias de janeiro já pudemos aprender a sutil diferença entre etilenoglicol e dietilenoglicol sem precisar pagar o olho da cara com as aulas de Química do cursinho Anglo. Tudo é uma questão de higiene. Se a cervejaria Belorizontina tivesse usado sabonete Dove pra lavar os reservatórios da cerveja Backer, o produto ficaria inacessível. Trata-se, portanto, de uma medida de inclusão social. Se morreram algumas pessoas envenenadas, faz parte. É o custo do progresso. Você não quer tomar Itaipava ou Glacial a vida inteira, certo? Deixa então o pessoal criar suas receitas artesanais. Aproveitando o assunto da higiene, tem a questão da água no Rio de Janeiro. Ela tá com esse cheiro e gosto esquisito por causa dos produtos adicionados para torná-la ainda mais limpa. É uma água que vem do esgoto, manja? Então precisa passar por um processo de purificação. Que nem água de piscina. Tem cloro pra cacete, pra acabar com todas as bactérias daquele povo que mergulha só pra fazer xixi. Eu confio 100% na Cedae, que diz que a água é limpa. E pra deixar ela ainda mais limpa, resolveram botar junto detergente. Detergente de graça, saindo das torneiras! Não sei por que carioca reclama tanto.

E, por falar em Belo Horizonte, estou plenamente convicto de que aqueles desmoronamentos e inundações pegaram todo mundo de calça curta. NUNCA chove em janeiro neste país. Não tinha como se planejar, fiscalizar obras clandestinas, construir piscinões, alertar a população sobre as áreas de risco, nada disso. Aquilo foi uma surpresa pra todos. É que nem festa-surpresa de aniversário. No dia em que você fica mais velho um sujeito te chama no canto, conta uma história qualquer pra disfarçar, te leva pra outro canto e aí a turma toda começa a cantar parabéns. IMPOSSÍVEL adivinhar.

E por falar em Guerra Mundial, estou dando pulos de alegria que integrantes do Governo estão trazendo de volta o nazismo. Um lance meio vintage, sabe? Essa coisa de avanço tecnológico o tempo todo cansa um pouco. A gente precisa recuperar valores que a História fez questão de enterrar. Eu acredito piamente no Roberto Alvim. Ele foi vítima de uma conspiração de seus assessores. Não tinha como prever que trechos do seu discurso foram extraídos das falas de Goebbels. É muita informação na internet, não tem como dar conta de tudo. Tem que analisar o contexto. Alvim não é nazi. O cabelo repartido, a roupa com cara de farda e a música de Wagner ao fundo serviram de meros adereços cênicos. E mesmo se fosse, qual o problema? Se Jojo Rabbit pode brincar com o tema e ainda concorrer a Oscar, por que nosso perseguido secretário não pode fazer uma brincadeirinha de leve? Foi exonerado injustamente. Culpa dos Beatles, que introduziram o rock satânico na juventude perdida. Tenho certeza de que a letra de “Help” fala sobre um pedido de socorro ao Belzebu. “Yellow Submarine” é uma metáfora ao meio de transporte público usado pelo Capiroto. Agora quem entra no lugar dele é a Regina Duarte. A eterna namoradinha do Brasil, mesmo já sendo avó. Com o Sinhozinho Malta mandando nela o tempo todo, e tendo como diretriz filtrar o marxismo cultural da mente endiabrada das pessoas, a Cultura finalmente vai entrar nos trilhos.

Este ano tá sendo do caralho pro Brasil. Mais do caralho ainda no resto do mundo. O brexit finalmente foi aprovado e a Inglaterra saiu da união europeia. Por uma questão de identidade própria. Os britânicos têm suas raízes, sua tradição. Não dá pra ficar misturando tudo. Você nunca ouviu falar da pontualidade italiana. Nem do chá das cinco em Portugal. Imagina se a França resolve criar seu Sex Pistols! Melhor deixar assim: cada um no seu square.

E a China, então? Agora uma boa parte da população resolveu andar de máscara justamente pra gente não se confundir. Chinês é tudo igual. Se já é difícil diferenciar um trio, imagina dois bilhões de gêmeos univitelinos. Pelo menos com máscara a gente consegue saber quem está e quem não está infectado pelo vírus. E ainda evita sentir o cheiro do bafo deles. Fica tranquilo: NÃO é uma epidemia. Ninguém se lembra mais das duchas Corona, um banho de alegria num mundo de água quente. A cantora Corona e seu único hit “Rhythm of the Night” logo caíram no esquecimento. O mesmo vai acontecer com essa virosinha de nada.

Estou muito, muito feliz com 2020. E vou ficar ainda mais feliz quando começar o Carnaval. Já se sabe que São Paulo é o destino preferido dos brasileiros para o feriado, superando Rio e Salvador. Eu não vejo a hora de adentrar nas micaretas que duram o mês inteiro. Meu corpo está em pândega. Só de ver a foto do ano passado, do bloco Unidos do Baixo Augusta ocupando a Consolação inteira, aquilo já me excita. Uma quantidade de pessoas equivalente à população do Canadá. Calor humano de verdade. Pessoas se amontoando, um encosta-encosta de peles suadas, arrastões, roubo de celulares, tudo muito orgânico. Vamos combinar: é BEM fácil roubar celular nesses aglomerados de gente. O povo dá muito mole. É que a alegria contagiante é maior do que a necessidade da posse de bens de consumo. Eu, por exemplo. Se fosse um trombadinha, poderia furtar uma quantidade de aparelhos que me permitisse criar a filial da Samsung. Bailinho de Juventus não tá com nada. Eu quero mesmo é fazer parte da história. Ver de perto as brigas de rua, as depredações no metrô, sentir o cheiro amalgamático de pinga curtida com vômito, desviar das poças de mijo.  Preciso quebrar paradigmas de querer sempre ouvir rock. O negócio aqui é o samba. “Mother”, do Pink Floyd, é titica perto da letra do enredo da Nenê de Vila Matilde. E daí que o Brasil é campeão mundial de feminicídio? Tudo invenção da Globo. Afinal, menina que sai na rua fantasiada de odalisca quer mesmo é que alguém passe a mão na bunda dela. Talvez seja um pirata, que no final da festa, pegando a Linha Lilás em direção ao Capão Redondo, esteja mais pra Jack Sparrow. Ou Marilyn Manson, de tão borrada que vai estar sua maquiagem. Não importa. O Carnaval deste ano vai ser épico. Bem como o resto do ano. Assim eu quero acreditar. Pra mim não existe essa de copo meio vazio. Em 2020 o copo vai estar sempre meio cheio. Nem que seja de água de esgoto com detergente.


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