segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Can$ei de $er Mo$tra

A maior surpresa da Mostra de Cinema é, até o momento, não ter havido surpresa alguma. Desde que freqüento as coletivas de imprensa, isso tem coisa de uns cinco anos, foi a primeira vez que nenhum jornalista fez perguntas antes do início da exibição do filme. Foi um evento atípico, justamente porque não tinha cara de evento. Os principais organizadores, Leon Cakoff e Renata de Almeida, não conseguiam esconder suas caras de cansaço. Após a patacoada de sempre dos convidados (inclusive fazendo uma menção superficial, irônica e inverossímil de que a crise financeira não iria abalar o cinema brasileiro), que pareciam ter acabado de acordar, a coletiva começou com Cakoff e Renata trazendo números sobre os custos de produção e de organização de um acontecimento de tal grandeza. Como se estivessem prestando contas à União, ambos exemplificaram, com rigor e cheios de detalhes, alguns gastos financeiros desde o valor da principal matéria bruta envolvida no processo (a equipe de colaboradores e profissionais terceirizados, que chega a valer durante este festivo período em torno de R$ 1 milhão) até pormenores que, no contexto, passam quase batido, como os subsídios e as despesas de legendagem eletrônica. Tudo muito translúcido, transparente, que confirmou a honestidade de quem aplica o dinheiro, a importância dos patrocínios e a necessidade de continuar a batalha de esticar o chapéu para que o evento oficialmente reconhecido pela Prefeitura de São Paulo como parte integrante do calendário cultural da cidade se perpetue. Tudo muito aberto, tudo muito bonito, não fosse por um aspecto: não era isso que os jornalistas queriam saber. Nosso papel ali não era de investigadores da Justiça, fiscais da Receita e auditores independentes. Se achamos abusivo o valor cobrado pelo ingresso individual (R$ 18 nos fins de semana), acharemos abusivo em quaisquer circunstâncias, independentemente dos fatores que levam à contínua e progressiva elevação do preço. E, embora sejamos convictos de que é necessário um recálculo dos valores ou uma readequação para um melhor encaixe ao orçamento dos cinéfilos, naquela manhã de sábado ensolarado estávamos ali para encontrar pessoas, ficar a par das novidades e, principalmente, falar de cinema. Este assunto, entretanto, passou quase que como um trailer, um aperitivo. Fazer contas na ponta do lápis ao invés de esmiuçar a mais abrangente e a mais provocativa das artes na atualidade talvez seja um indício de que o caráter multiangular, investigativo e transgressor ficou lá pra trás. Aos 32 anos a careca, barriguda e chefe-do-lar Mostra de Cinema está mais preocupada em equilibrar o orçamento familiar. Muito embora se tenha mencionada a recente crise da Bolsa, em tom de pilhéria, nada se evoluiu em relação à polêmica levantada no ano passado pelo próprio organizador Cakoff – a crise da cinefilia. A jornalista, crítica de cinema e divulgadora cultural Maria do Rosário Caetano, neste ano, não esteve presente na coletiva. E ninguém a substituiu para fazer a pergunta de sempre: qual o Estado do Cão deste ano? (Para quem não sabe, há mais de 10 anos este filme foi dado como o ícone, o representante máximo de filme atual e provocativo para os padrões da época). Sobre este apêndice chamado cinema, foi comunicada muito vagamente a escolha do diretor Win Wenders em sua carta branca para diretores e realizadores contemporâneos. Mais uma notinha ou outra, devidamente roteirizada e sem a menor capacidade de entreter. O fastio do casal-mor, presença outrora tão aguardada pelo público, era tão aparente que nem deu pra disfarçar o pouco entusiasmo sobre os improvisos previamente ensaiados. Só mesmo um pequeno acidente de verdade (quase que o protótipo do troféu Tomie Othake cai ao chão) para fazer acordar a platéia. Naquela manhã angustiada, me ficou a triste dúvida: é a Mostra ou são os atuais jornalistas desinteressantes? Talvez até, em decorrência dessa prévia enfadonha, a Mostra deste ano seja relativamente boa. Quando a expectativa é a mais baixa possível, qualquer resultado positivo, qualquer gol de pênalti já é o suficiente para empolgar. Já estamos mais ou menos escolados sobre isso, visto que na 30ª houve um grande auê sobre o evento e o balanço final foi bem aquém do esperado. Horas de Verão, de Assayas, filme que sucedeu a coletiva, é digno de participar dos festivais mais sérios e badalados. Ainda assim, a monetização pragmática da arte deixou um gosto amargo e uma sensação aborrecida.

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