terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Great Place to Work

Recentemente, foi criado um meteórico blog, arrancado do ar no dia seguinte, que expunha um espaço aberto para que internautas anônimos fizessem suas avaliações sobre os principais diretores de criação do país. A brincadeira acabou de forma abrupta por causa do nível de qualidade dos comentários, em sua maioria vazios, ofensivos e que pouco demonstravam julgar as características profissionais dessa linha de frente das grandes agências. Mas não dá para tapar o sol com a peneira. Algumas verdades foram ditas, ainda que de maneira truculenta e rasteira.

Essa desmistificação de alguns ícones do mercado me chamou a atenção para ressuscitar uma pesquisa inédita do fim do ano passado, realizada pelo instituto Great Place to Work, especialista em ambientes de trabalho. Não sei exatamente quais foram os critérios e a metodologia da pesquisa, Só sei que foi adotada por profissionais que interagem com a área de Recursos Humanos e teve como principal universo os funcionários e colaboradores efetivados nessas agências. Entraram na base de avaliação agências com no mínimo 3 anos de mercado, 30 colaboradores permanentes, e credenciadas por alguma instituição representativa (CENP, ABAP, ABEMD, etc.).

O resultado foi uma grande surpresa para todo mundo. Na época, fiz uma espécie de quiz com as pessoas da agência onde eu trabalhava. Os palpites iam pro aparentemente óbvio, que levavam em conta a projeção no mercado das agências consideradas mais criativas: Almap, F/Nazca, Talent, África, e por aí vai. Todos erraram. Se fosse um volante de loteria esportiva, eu diria que aquele ranking foi uma grande zebra do primeiro ao último colocado. Das agências que conseguem conciliar faturamento, criatividade e best place to work, só a Fischer/Fala entrou.

Esse resultado espantoso serve como indicador para as agências reverem seus conceitos e suas posturas no mercado. Primeiro, o ranking evidenciou uma tendência: muitas agências below-the-line, de comunicação integrada, marketing interativo e afins: Bullet, New Style, E/Ou, Netza, F/Biz, Biruta, entre outras. Isso denota que não é pelo fato de que a verba total destinada ao advetising convencional esteja diminuindo progressivamente que faz com que as empresas que comem pelas beiradas tenham que entrar de maneira predatória. Essas 15 agências provam que é possível oferecer qualidade de vida mesmo quando o core business não é (ou pelo menos não era até uns 10 anos atrás) dos mais almejados quando se ingressa na profissão: o anúncio de página dupla, o comercial de 1 minuto no Fantástico, o outdoor com aplique banido pelo nosso alcaide e sua Lei Cidade Limpa.

Que o ranking de faturamento não andava necessariamente junto com o ranking de prêmios e estatuetas, isso já podia ser constatado há algumas décadas. No decorrer dos tempos, algumas megagências líderes em arrecadação mostraram-se criativamente acomodadas, caretas, com uma estrutura pesada e um alinhamento com marcas que não permite alçar altos voos, tendo que se submeter aos policies rígidos e engessados de seus clientes robóticos. Mas a grande novidade agora é que a criatividade nem sempre está alinhada ao prazer de trabalhar. Como explicar a ausência das agências que um dia foram sonho de consumo? Eu corro o risco de lançar algumas hipóteses. Os pesquisados pelo RH optaram pelo trabalho harmônico em equipe ao invés da competitividade das duplas. Assim como no futebol ou em outras profissões de grande visibilidade e vida profissional curta, os altos salários tornaram-se uma realidade para os esmeraldas do mercado e um mito para a grande massa de obra que está começando ou que ainda não encontrou uma grande oportunidade de mostrar seu valor. Muitos recém-nascidos submetem-se ao trabalho semiescravo em troca de estar numa agência de grife. É sabido que a carga horária nas agências tidas e projetadas como criativas é quase desumana. O que chega a ser um contrassenso, pois o publicitário precisa de referências externas tanto quanto oxigênio. Não bastasse a carga horária massuda, todos sabem que o stress impera nas empresas que fazem de tudo em busca de uma grande ideia. Alguns bem-aventurados pagam esse preço alto para se manter colocados nessas agências. Mas, graças a essa pesquisa, nota-se que uma boa parte está desiludida ou cansada desse discurso moderno e irreverente mas que, na prática, pouco difere do feudalismo medieval.

Mas também não vamos generalizar. Existem agências tradicionalmente criativas que ainda valorizam o sangue humano. Empresas que entendem que seu maior patrimônio são as pessoas, e que oferecer a elas condições dignas de trabalho só faz aumentar a produtividade e a inspiração. O que não quer dizer que dá para se levar a sério tudo quanto é medida paliativa. Desde que o computador mostrou ser um grande vilão à saúde humana, algumas agências passaram a contar com serviços de massagem e shiatsu, instalaram mesas de bilhar e de pebolim, puffs, lounge, o diabo. Mas essa parafernália toda é só um disfarce, um aparato estético para agradar visitas e impressionar clientes. Dessas agências best to work, algumas até podem ter lá o seu recanto do lazer, porque afinal de contas ninguém é de ferro. Mas entraram no ranking porque provavelmente têm muito mais a oferecer para sua equipe. Chegaram low profile, mas foram chegando. E ficaram. E tomara que continuem agradando cada vez mais seus colaboradores. E que as demais sigam esse modelo para pensarem criativamente como poderão, quem sabe um dia, voltar a ser uma das melhores agências para se trabalhar.

Um comentário:

wander Levy disse...

Belo artigo, muito bem fundamentado e esclarecedor sobre o que todo mundo sabe, mas ninguém fala.
Parabéns,
Wander