quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Do mito à Mostra

Recentemente, escrevi um artigo apostando em uma reciclagem retrô da Mostra, que, por todos os motivos pessoais e pela perda inestimável de seu criador, encontrou campo fértil para se humanizar. Em seu recente texto publicado no blog, o crítico Zanin Oricchio pede essa humanização e o exercício compreensivo da cidadania a todos os cinéfilos que fingem não ver os problemas pelos quais a organização do festival vem passando. Concordo em parte com meu colega e amigo. De fato, a Mostra é muito maior do que o consumo de um produto, representado por um ingresso picotado. Mas, assim como em qualquer segmento de atividade, os profissionais envolvidos (humanizados ou não) precisam se adequar às novas épocas e aos novos processos. E o desfalque do líder do time, por mais comoção que possa gerar, não se justifica por si só para esse congelamento no tempo. De nada adianta, por exemplo, continuar solicitando ao almoxarifado uma fita corretiva, em tempos de tablets e netbooks.

Digo isso porque, salvo exceções, venho encontrando um distanciamento cada vez maior entre as expectativas de começo de maratona e os resultados que ela vem proporcionando. Os fatores são inúmeros, expostos ou não. Chegamos a uma cifra quase infinita de cancelamentos de sessões, alterações sem prévio aviso, atrasos, confusões. Se fizermos um paralelo entre a Mostra e outros festivais congêneres, igualmente nababescos e desengonçados, veremos que ela não é muito diferente do Rock in Rio, da Virada Cultural, das maratonas teatrais ou de qualquer outra olimpíada artística de grande porte. Não estamos ainda preparados para abraçar toda essa grandiosidade, tanto na sua proposta quanto nos seus efeitos.

No caso da Mostra propriamente dita, andei percebendo muitos problemas em relação aos formatos dos filmes. Como alguns já sabem, a esmagadora maioria dos filmes é apresentada em digital. Mas hoje, não basta apenas fazer a divisão dicotômica película/digital. Assim como o filme de rolo comporta diversas bitolas (16mm, 35mm, 70mm), o digital também apresenta diversas espécies, cada uma com sua idiossincrasia e suas limitações específicas. E nem todas as salas estão equipadas com projetores compatíveis com cada formato. Isso também ocorreu no Festival do Rio. E é bom lembrar que recentemente o circuito Arteplex trocou de empresa fornecedora, encerrando seu contrato com a Auwe Digital. Ou seja, todos ainda estão se adaptando às necessidades do momento. Agora há pouco, acabei de receber um e-mail da assessoria de imprensa justificando que o filme do Herzog não será exibido em alguns horários porque a empresa de envio do material não é autorizada pelo festival, o que impede o rastreamento do objeto. Enfim, estamos nos deparando aos poucos com uma gama complexa de restrições e imprevistos, decorrentes da modernidade, da tecnologia, de um modelo econômico que impôs estas regras sem consultar a sociedade.

Tudo isso afeta, é lógico, a correria do dia a dia dos cinéfilos. Numa espécie de efeito-dominó, um probleminha técnico da primeira sessão de uma determinada sala acaba afetando toda a programação corrente da data. Em poucos filmes a que assisti, já presenciei testes de áudio, filme sem legenda, trechos sem som, interrupções, sequências erradas (algo equivalente ao jurássico “rolo trocado”), isso sem falar naquelas tremedeiras de cena típicas de DVD pirata. Vale ressaltar que o filme da Naomi Kawaze está com uma qualidade muito boa, mas ele é um oásis no deserto. Para compensar, outros tantos estão beirando uma experiência sofrível de apreciação.

Não posso ser categórico e falar por todos, mas muitos de meus amigos cinéfilos são suficientemente “humanizados” e sensíveis à causa. E estão condolentes com esta situação e não abrem mão do prazer cinéfilo. Mas certas questões exigem muita paciência. Afinal, vale ou não vale a pena enfrentar o desconforto das filas, o estresse dos horários apertadinhos, a sonolência, a fome, o trânsito, a chuva, e, ao se sentar à poltrona (ou no chão, em alguns casos mais concorridos), deparar-se com tudo isso? Confesso que é da nossa natureza querermos ser os primeiros, os pioneiros das descobertas, e nos dirigimos à Mostra como quem precisasse fincar a bandeira na Lua. Mas muitos filmes aguardados já estão comprados pelas distribuidoras do país, alguns deles com datas previstas de estreia em circuito. Tenho minhas dúvidas da relação custo/benefício que a Mostra nos traz. Embora com outra roupagem, os problemas são antigos. Entretanto, continuamos apostando nela. E sofrendo com nossa ansiedade e com nossas angústias. Esse é o nosso combustível, por mais incoerente que possa parecer.

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