quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Made in China

Muito se fala sobre a fragilidade econômica mundial pós-crise, mas o que eu fui constatar hoje é outro tipo de fragilidade. Já fiz isso algumas vezes, todos já fizeram. Entrar numa dessas lojas genéricas que estampam um cartaz feio, onde se lê “tudo a partir de R$ 1,99”, algo assim. Só que o máximo que a gente faz, na maioria das vezes, é bisbilhotar, olhar de longe com aquele olhar periférico sobre tal estabelecimento. Num caso ou outro, comprar algo mais à mão, de preferência numa gôndola próxima a saída e àquele fiscal de plantão, do lado de fora, atento a todos os movimentos. Hoje foi diferente. Fiz uma espécie de pesquisa de campo, de escavação. Entrei numa dessas lojas populares de esquina, pejorativamente apelidadas de “ching-ling”, pra tentar entender um pouco melhor por que o tal BRIC é a pedrinha no sapato da outrora soberana e atualmente desmoronada economia norte-americana. Como se fosse um detetive, fiz uma investigação, uma perícia minuciosa em cada um dos estreitos corredores do estabelecimento comercial. Lá se tem de tudo... de inútil. A não ser que você seja um consumidor inveterado de baralho, copo de plástico ou luminárias decoradas. Difícil imaginar que cada um dos artefatos será utilizado mais do que três vezes. E é curioso como essas lojas não têm cara, não têm identidade alguma. Num mesmo concorrido espaço, você pode encontrar desde um grampeador até uma concha de sopa. Esqueça a durabilidade, a exigência dos padrões técnicos, a obediência às normas métricas e científicas observadas no processo industrial de fabricação. Só de olhar, é bem capaz de você conseguir entortar alguns objetos. É assim que a China vem ganhando o mundo: oferecendo produtos com preços lá embaixo e qualidade mais embaixo ainda. Essas bugigangas são tão efêmeras quanto o estado eufórico de prosperidade dos países ditos emergentes. O próprio desconforto do lugar te obriga a fazer uma visita apressada, no máximo uma investida ao soslaio em algum artigo mais exótico. Tudo é muito amontoado, sem qualquer criério de ordem, organização, gênero ou espécie. Senti-me dentro de um confuso e abarrotado caldeirão de paella, a ser confundido com a paisagem caótica da espelunca. Mas acho saudável esse tipo de peregrinação. De vez em quando me considero um hipócrita ao conversar ou divulgar marcas e produtos de outra realidade social. Entrar numa dessas lojas é como estabelecer aquele contato próximo com o povo, tipo o aperto de mãos e o beijinho na testa das crianças que os políticos fazem em época de campanha eleitoral. A loja em questão em nada lembra aquela arrogância perfumada de shopping center. Tudo é feito e pensado para você entrar, comprar e sair rápido. E nem pense em tropeçar próximo a alguma prateleira. Lá você pode avistar um informe em papel sulfite A4, escrito em caneta hidrocor, bem claro e objetivo, sem a delicadeza das meias-palavras: “quebrou, pagou”.

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