quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Luzes, câmera e muitas luzes

Do ponto de vista cinematográfico, posso dizer que encerrei a 35ª Mostra SP com chave de ouro vendo Mexican Suitcase, um documentário sobre fotos perdidas da época da Guerra Civil Espanhola. Mas, no que diz respeito ao exercício da cidadania, este epílogo foi um vexame. Cheguei minutos atrasado na sessão e, logo em seguida, vejo uma moça trocando de lugar e sentando-se no cantinho da sala. Ela abre seu laptop e começa a trabalhar... no meio do filme. Mesmo imaginando que o fato de se sentar isolada da aglomeração fosse motivo suficiente para fazer o que bem entendesse, ela levou um justo cartão amarelo. Advertida por uma amiga minha, que dirigiu-se a ela para dizer que aquele mini-holofote atrapalha os demais espectadores, ela fingiu que não ouviu ou fez corpo-mole para tomar alguma atitude em respeito a todos os cinéfilos que entraram na sala... para ver o filme. Já cansei de mencionar que minhas intervenções aos falantes são voto vencido, mas felizmente nessa sessão estive acompanhado de pessoas mais criteriosas, que usam métodos mais ortodoxos para mandar os incomodantes calar a boca ou apagar as luzes, do tipo “desliga essa porcaria” ou algo que o valha. Inconformada com a solicitação geral da plateia, e não é que a moça sai esbravecida, pisando forte e resmungando? Para se ter uma ideia, ela até foi aplaudida quando finalmente se retirou da sala.

Já escrevi aqui que algumas sessões da Mostra foram tumultuadas, nesse sentido. É quando se junta a surdez das velhinhas dos Jardins, que lotam o Cinesesc e adjacências nas sessões vespertinas e não param de tagarelar, com a falta de educação de uma (quero acreditar) restrita parcela do público jovem, insaciável, que encara o ato de se ver um filme como uma aula facultativa que se pode cabular, o recreio fora de horário, o momento revolucionário de usar a força da expressão na sua temperatura máxima.

É triste notar, e parece ser um fenômeno irreversível, que a cultura Cinemark esteja invadindo a “cinefilia de arte” da região da Paulista. Conversar durante um filme tornou-se um hábito digestivo, como se fosse o respiro entre uma cena e outra. As advertências das vinhetas são inócuas quando tocam nesse assunto. Até mesmo a vinheta do Cinesesc faz uma ressalva: “cochichar vale”. Não, cochichar não vale. Em certos casos, o balbucio quase silenciosos do ranger silábico das consoantes atrapalha mais do que um bate-papo.

Eu já passei por experiências terríveis. Teve uma vez que um casalzinho metido a besta da fileira de trás se sentiu ofendido e o brutamontes do namorado levantou-se para exibir seus músculos, dando a entender que estava MUITO disposto a resolver a questão na porrada. Teve outro dia (no Belas Artes, quem diria!) que o estúpido me respondeu: “tá incomodando? Vai sentar lá do outro lado”. Outra vez (no Unibanco Arteplex!) um casal ao meu lado que não parava de fochicar e, quando eu pedi silêncio, à minha maneira corleônica de ser, o besta-quadrada deu a entender que, pelo fato de pagar o ingresso, tinha o direito de fazer o que quisesse na sala.

O ruído verbal, todavia, virou algo do passado. Hoje os folgados, como bem foi exemplificado acima, usam toda a modernidade e tecnologia ao seu alcance para incomodar os outros com requintes de malvadeza, egoísmo e gigabytes. É comum esbarrarmos com pessoas que ligam o celular a toda hora, não param de enviar torpedos e e-mails, entram nos chats e precisam, a qualquer custo, mandar via Twitter o resumo de cada cena a que estão assistindo. É a geração Y, verdadeiros lanterninhas e caga-lumes do escurinho que, com seus smartphones e aplicativos, cospem sobre o cidadão cinéfilo de bem. Uma juventude que não entende porra nenhuma de democracia, que acha que ser revolucionário é botar o pezão na cadeira da frente, que entende que liberdade é falar alto no meio da sala, entrar rindo e gritando, sair jogando pipoca no chão. Esses são os caras-pintadas do Século 21, fachada de um comportamento de mercado que vende uma sociedade conectada, integrada e sustentável, mas que no fundo não passa de um bando de individualistas, mercadologicamente egocêntricos, apoiadores retrógrados do bullying social.

Aos meus 43 anos, faço parte de uma geração jurássica, uma minoria em extinção que faz “shhh” na sala. Devo ser visto como um chato, um xiita. Para a horda desembestada, quem incomoda a sessão sou eu.

Mas o que fazer para mudar esse estado das coisas? Sinceramente, perdi minhas esperanças. Meu ponto de vista ganha a adesão somente das pessoas que concordam comigo e nunca cometeram tais atos de barbaridade nos cinemas. Para dialogar com os infratores dos bons modos, só mesmo à base do confrontamento. Não adianta o diálogo. Ninguém vai mudar de opinião. O tagarela não vai deixar de ser tagarela por se sensibilizar à petição. Muito pelo contrário, provavelmente. Vai se sentir insultado, moralmente diminuído, e vai querer usar da falta de educação a sua pior arma. Existe uma lista de reivindicações dos cinéfilos que são verdadeiras causas perdidas. A meu ver, a sociedade caminha para uma direção muito estranha. Cinema é vendido como diversão, como entertainment. Em tempos de simultaneidade e de informações descartáveis, exigir concentração para a apreciação da arte é um esforço inútil. A relação do cinema com seu público é das mais efêmeras. O cinema é como um show de rock, uma tanda. E o filme, um palco paralelo da atração principal.

Um comentário:

Cá estou eu! disse...

São sinais de falta de bom senso, acho eu.
Nem sei se tem que ver com falta de cultura acerca de cinema, apenas, acredito que se mistura a isso outra falta, a falta de cultura acerca de uso do espaço coletivo.

Às pessoas falta tanto o espírito de grupo e o conhecimento cultivado por gosto pessoal, que estragam quase tudo.
Vão perdendo oportunidades e ficam cada vez mais convencidas de que estão por dentro de tudo!

Nem dá pra nos irritarmos...