terça-feira, 29 de novembro de 2011

Lula no Céu

Após algum tempo morto, desempregado e perambulando as galáxias, Lula resolve fazer um estágio no Céu, a mais importante e premiada agência de Propaganda.
Carregando seu portfólio, Lula entra na agência. Fica encantado com sua suntuosidade, com o pé direito triplo da recepção, seguranças espalhados pelo hall. É uma agência asséptica, toda branca, que ostenta colunas góticas e um enorme quadro de Klimt.
Vim falar com o diretor de Criação, diz Lula.
Imediatamente, a lacônica recepcionista desliga o interfone e pergunta: Qual o nome do senhor?
Luís Inácio da Silva.
O senhor tem hora marcada?
Sim, marquei com ele ontem por telefone.
A recepcionista olha pra baixo, pega o interfone, balbucia uma sílabas incompreensíveis com o interlocutor. Desliga o interfone, recompõe-se, cria um sorriso falso e diz pro Lula:
O senhor pode olhar para a câmera, por favor? Segundo andar, primeira à direita.

Lula dirige-se à Criação, espera sua vez de ser atendido num sofá de veludo preto. Folheia rapidamente as últimas páginas de uma Meio & Mensagem bem antiga, mais ou menos de 2045. Fecha a revista, inicia um nervoso e aflito sapateado sobre o chão de madeira laminada. Começa a assobiar uma música que não existe. Para. Pega seu iPhone e começa a mandar algumas mensagens, quando é interrompido pelo diretor de Criação, um senhor alto, esguio, camisa preta, barba grisalha por fazer e brinco na orelha esquerda.
Aceita um café? Água?
Não, obrigado.
Então vamos entrar.

...

E aí? Fala um pouco de você.
Olha... veja bem... eu nasci e cresci numa cidade bem pobre. Nunca fiz faculdade, sempre me sustentei. Entrei nesse mercado por mérito próprio, nunca tive uma indicação. Comecei a fazer meu portfólio lá no Sindicato, na hora do almoço. Aí fui batalhando, batendo de porta em porta... já fui em tudo quanto é lugar: periferia, cidades do interior, Jardins. Meu último emprego foi como Presidente do Brasil, não sei se o senhor já ouviu falar... Batalhei pras minhas ideias serem aprovadas, briguei com quase todo mundo da agência. Mas no final consegui o apoio de quase 90%. Não foi fácil, mas foi muito bom. Tanto é que eu renovei meu contrato.
E por que saiu de lá?
Agora eu tô em busca de novos desafios.
E você chegou a trabalhar em alguma agência grande? Estados Unidos, China, Canadá...
Não, mas meus amigos me disseram que quem trabalha no Brasil consegue emprego em qualquer lugar do mundo, hehe...
Vamos ver sua pasta?

Antes de exibir seu extenso portfólio, Lula explica ao avaliador que, além dessas campanhas que irá apresentar, fez também uma série de atas, emendas constitucionais, projetos de lei, mas preferiu não trazê-los para não deixar a entrevista maçante.
Nesse momento, o diretor de Criação coloca seus óculos de armação de casco de tartaruga. Sai da sala o amigo e entra o mestre, o doutor, o auditor publicitário que irá decidir o futuro profissional de quem está à sua frente.
À medida que o diretor de Criação folheia cuidadosamente o portfólio, Lula explica cada uma das peças, num tom meio apreensivo e com uma certa insegurança. Sem dar ouvidos às explicações, o diretor não esboça nenhuma reação sequer, mantendo sua postura de distância e frieza. A lenta virada de página e o olhar fixo em cada detalhe dos anúncios mostra o quão rigoroso é o analista, como se estivesse diante de um experimento científico.
Ao terminar de ler a última página, o diretor olha vagamente pro infinito e fala, num tom ao mesmo tempo misterioso e contemplativo:
Muito boa sua pasta. Muito boa.
Lula fica aliviado. Acabou de passar no vestibular da vida.
O diretor de Criação volta ao início da pasta e folheia rapidamente as peças, só pra constatar que não deixou escapar nada. Acrescenta:
Eu só tiraria algumas coisas. Esse aqui... reforma tributária... tá com cara de anúncio-fantasma. Esse aqui, do Renda Mínima, também. E esse aqui, o Bolsa-Família, é bem criativo, mas tenho a impressão de que já foi feito.
Finaliza seus comentários:
E também mudaria um pouco a ordem. Tenta colocar esse aqui do PAC em primeiro, pra causar impacto. Deixa os “menores” pro final, como esse aqui do Ministério da Defesa.

Passada a angústia do teste aos moldes do American Idol, Lula quer saber se essa avaliação positiva irá lhe redner momentos de glória, de fama. Se, com sua pasta, Lula poderá conseguir um lugar ao Céu.

Percebendo a cara de curiosidade de Lula, chega o momento do diretor jogar o balde de água fria.
Bom, você sabe... estamos passando por um processo de reestruturação. Ontem ficamos até de madrugada em reunião com a diretoria pra discutir benefícios, essas coisas. Mês passado a gente implantou um programa de qualidade de vida. O departamento dos anjos não precisa mais vir de branco, pode vir de preto, se quiser. Acabamos de alugar uma bateria e um teclado pra substituir as harpas. O piercing foi liberado pros apóstolos. A gente quer fazer daqui um lugar bacana de se trabalhar. Perdemos muitos bons profissionais pra concorrente lá do outro lado da cidade.
Sei, a Inf. Muito boa agência, ouvi falar.
É... (resignado em admitir) é boa... mas lá o dono escraviza os funcionários, faz todo mundo trabalhar fim de semana, o cara é um tirano. Pessoal estressado, lá é um inferno. Fica na Berrini, a Berrini também é um inferno.
É, mas ouvi dizer que eles andaram ganhando muitas contas. A Apple estava com vocês e foi pra eles.
Pois é, mas eles não são éticos nos processos de concorrência. Abrem mão do percentual de agência só pra ganhar conta. Chamam freela pra concorrência e depois mandam embora. Conselho de amigo: se eu fosse você e recebesse uma proposta deles, recusava. Não se deixe cair em tentação.
Claro. Mas eles estão ganhando o mercado.
Por isso que a gente tem que se adaptar aos novos tempos. Vê só, tem uma porrada de agência criativa e premiada que hoje não consegue pagar suas contas. A Grécia, por exemplo. Puta agência premiada pra cacete. Tá demitindo até os pica-grossa. Ontem mesmo 3 da diretoria foram pra rua. E olha o que te digo: a Espanha vai ser a próxima. Aqui já estão falando em passaralho.

O diretor de Criação, que não é bobo nem nada, usa todo esse clima de pessimismo pra concluir sua linha de raciocínio e não se passar por um déspota insensível.
Toda essa remodelagem que estamos fazendo aqui tem um custo. A gente não pode mais perder os talentos pra concorrência. Por isso a gente não tá contratando.
Lula tenta sua última sorte:
Tá, mas eu topo vir aqui de graça. Trabalhar no Céu iria fazer um bem danado pro meu currículo. Eu ia poder acompanhar o trabalho de excelentes profissionais. Me contrata, vai... nem que seja pra me colocar num cantinho. Fazer clipping das ações sociais, visita técnica em Honduras, no Haiti, e nos países subdesenvolvidos, tento acordo de paz na Síria, faço levantamento estatístico de terremotos... eu preciso muito desse emprego.
Embora quisesse dar uma oportunidade a Lula, o diretor se vê obrigado a ser taxativo:
Lula, sua pasta é muito boa. Boa mesmo. Com certeza, você vai ser recolocado rapidamente. Mas não aqui. Tá vendo aquele redator ali? Foi ele quem criou as palavras do bem que estão na moda: sustentabilidade, responsabilidade social, politicamente correto, orgulho gay, transparência... O dono veio falar comigo que queria a cabeça dele semana passada, eu é que segurei as pontas e pedi pra ele ficar. Aqui, eu só teria como justificar a contratação de um puuuta profissional, como a Madre Teresa de Calcutá, o Gandhi, o Nelson Mandela... ou quem já passou pelas agências fodonas, como Holanda, Suécia, Dinamarca... e mesmo assim, teria que brigar por salário com o Financeiro, que fechou as torneiras.

O diretor de Criação pega uma caneta e uma folha de papel em branco, pronto para anotar as indicações típicas de fim de entrevista.
Eu conheço aqui umas ONGs... você já foi falar com as Casas André Luiz?
Já, mostrei a pasta lá 3 vezes.
Dorina Nowill?
Só dão estágio pra filho de cliente.
Fundação Abrinq? O dono é muito amigo meu.
Vi anúncio num blog no mês passado. Mandei e-mail com link de portfólio e eles não me retornaram até hoje.

O diretor de Criação anota umas indicações na folha e entrega ao Lula, sem perder seu ar de otimismo.
Tá aqui. Procura essas pessoas e depois me retorna. E se você tiver alguma campanha nova e quiser me mostrar antes, fica à vontade.

E foi assim que o imperador do Brasil voltou à sua realidade. Descendo de elevador e depositando seu crachá de visitante no compartimento à esquerda da catraca de saída.

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