- Boa noite. Meu nome é Érico...
(Saudação do grupo em coro uníssono) – Ooooi, Érico...
- Tenho 51 anos, sou solteiro... e faz 2 semanas que eu não
conto uma piada.
Aplausos coletivos.
(Moderador do grupo) – Quer falar sobre isso? Conta pra gente
sua história. No seu tempo.
- No começo eu não gostava de piada. Nem um pouco. Quando
vinha aquele cara em festa... aquele tiozinho que você só encontra em casamento
e enterro, sabe? Quando começava a contar piada de português, de papagaio, eu
fingia que ia pegar uma bebida e caía fora. Pra contar piada eu era muito ruim
também. Esquecia o final, começava a rir antes de terminar de contar, repetia o
final, dava uma explicação básica do final... como se a pessoa não fosse capaz
de entender...
Breve pausa para uma tossida. Prossigo.
- Até que um amigo meu me chamou pra assistir a um show de
stand-up. Ele ganhou ingresso VIP e não tinha ninguém com quem ir. No começo é
sempre assim, né? A pessoa te introduz no mundo do crime pra você pegar o
gostinho pela coisa. Eu até tentei escapar, inventei uma desculpa esfarrapada,
falei que não podia perder o último capítulo da novela... não colou. Fomos até
o local, um lugar com fachada de bar, numa rua bem escura, sabe? Quando a gente
desceu do carro e o segurança da casa revistou a gente, pensei: “Ih, fodeu”.
Mas de boa. Entramos na tranquilidade. Eu sinceramente não fui lá pra rir não.
Não tava a fim. Mas, cara... quando começou o show... eu quase me mijei nas
calças. Foi muuuito bom. Ducaralho.
(Moderador) – É, de vez em quando a vida traz surpresas...
- E aí eu comecei a ter vontade de ir a outros shows. Só que
dessa vez eu tive de pagar, né? Sempre assim. A primeira dose de humor vem de
mão beijada. Depois, você tem que batalhar. Fui ao Comedians. Mó grana. Fui ao
Renaissance, mais caro ainda. E como lá o show só começa à meia-noite, tive de
voltar de Uber. Bota mais dinheiro nessa brincadeira. Fui num show aqui, outro
ali, e não parei mais.
(Moderador) – É um paradoxo, certo? Primeiro você odiava
piada, depois passou a amar o humor. Como você lidou com isso?
- Não sei explicar. Foi algo que me pegou sem eu estar
preparado. Coisa de amigo que acaba te influenciando. E você não quer se ver
fora da roda. No começo, distância total. Mas aquilo foi me viciando. E a grana
foi acabando. Eu sempre quis fazer as coisas honestamente, pra manter a
dignidade. Mas chegou uma hora que não dava mais. A vontade de ver os caras
arrebentando no palco era incontrolável. A primeira vez que peguei uma grana
emprestada... quer dizer, não foi exatamente um empréstimo... mas eu prometo
devolver... eu vi a bolsa da minha mãe aberta e peguei umas notas. Usei a grana
pra ir ao show do Danilo Gentili. Mas não parou aí. Vendi a bicicleta do meu
irmão pra ir ao show do Thiago Ventura. E foi piorando. Até que um dia usei uma
arma de brinquedo, quebrei o vidro do carro de uma senhora parada no farol,
peguei a bolsa, o celular, a corrente pra comprar ingresso pro show do
Whindersson Nunes. Eu estava no fundo do poço. E o pior...
Começo a chorar convulsivamente. Paro. Respiro fundo. Volto
a falar.
- O pior de tudo é que eu nem gosto do Whindersson Nunes. Acho
ele um mala, só faz piada de mau gosto, sem graça....
- ... Continuando... além de ouvir, eu comecei a gostar de
contar piada. Fiz curso e tal. No começo era até saudável. Só que com o tempo
eu peguei uma obsessão pela coisa. E ficou doentio o negócio. Só pensava em
criar piada, 24 horas por dia. Um vício mesmo. Setup e punchline, setup e
punchline, o tempo todo... teve um dia que meu chefe me demitiu porque eu fiz
uma piada usando a regra de 3 com ele. Briga de bar, por exemplo. Levei uma
porrada porque fiz um call back com um cliente.
Pausa. Soluços. Volto a dar meu relato.
- Eu até pegava leve. Piadoca de salão, sabe? É são-paulino
gay, japonês com pinto pequeno, loira burra, judeu mão-de-vaca... Mas, conforme
fui pegando gosto, parti para temas mais pesados. Comecei a fazer piada de
preto, de cadeirante, de mulher grávida, de doente mental, de fanhoso, de gordo...
até fiz uma piada com a Madre Teresa de Calcutá, acredita?
(Moderador) – E como sua família e seus amigos encararam
isso?
- A maioria não gostou. Eu comecei a ficar chato, inconveniente.
Estava alucinado, fazendo piada infame. Amigos do Facebook me bloquearam. A
família começou a me evitar, só porque eu fazia piada com o Bolsonaro. Parentes
distantes me silenciaram no Whats. Colegas de trabalho me botaram no modo
soneca. Quando fui ver, estava sozinho, totalmente sozinho...
Volto a chorar. Paro.
- Eu estava tão transtornado que fazia piada com qualquer
coisa pra saciar meu vício. Quando não vinha uma puta sacada, uma reversão
cômica, ia na base do trocadilho mesmo. Pavê ou pacumê, setembro chove, Wim
Wenders e aprendenders... o que viesse pela frente.
(Moderador) – E como você fez pra sair desse buraco negro?
- Força de vontade. Fiz uma viagem interior. Uma busca pelo
autoconhecimento. E comecei a orar bastante. Quando vinha a tentação, eu logo
pensava em alguma coisa trágica pro pensamento fugir. Acidente, desmatamento,
incêndio, volta da CPMF, atual ministério... Hoje sou uma pessoa melhor. Ainda
não estou curado. Mas sei que estou no caminho certo. Piada, nunca mais.
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