segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Da Igreja para o hospital


Meu #tbt de hoje não é nenhuma foto de rosto com espinhas ou cabelo mullet. Até porque eu nunca tive cabelo mullet. É um textão de uma situação ocorrida há mais ou menos 7 anos. Contextualizando: eu havia acabado de terminar um namoro de 9 anos e achava que tinha perdido a prática da paquera. Sim, paquera. Sete anos atrás, não tinha nada disso de match e crush era apenas a lembrança de um refrigerante de laranja. Combinei de sair com um amigo meu, que, na verdade, eu o conheci porque ele fez um curso junto com minha ex (olha só, que doideira...). Na época ele era muito solícito comigo, pois eu estava passando por uma série de problemas pessoais e ele ali, sempre muito atencioso e prestativo. Ele era daqueles caras antenados, descolados, que conhecem balada hipster, têm uma lista interminável de amigos (e amigas), ficam por dentro de todos os “picos”.

Pois bem. Marcamos de sair num sábado. O objetivo era, sem meias-palavras, “arrumar mulher”. Ao invés de sairmos perambulando pela noite (o que também seria uma boa ideia), preferi me precaver e consultar alguns roteiros mais, digamos, certeiros. Abri a Vejinha, na seção de bares e baladas (ainda existe essa coluna? Aliás, ainda existe a Vejinha?), fui direto ao título “paquera” e lá encontrei como opção o Igrejinha. Um bar perto da Consolação, que mistura os estilos gótico com o multicolorido, o moderno com o retrô, que une a religiosidade e o paganismo num mesmo espaço. A ideia era fazer ali um esquenta e, quem sabe, futuramente, o que der e vier. Entramos, sentamo-nos perto da porta, pedimos o cardápio. Meu amigo, querendo esbanjar conhecimentos etílicos, pediu aquela bebida com os índices mais apropriados de teor alcoólico, que melhor harmoniza com o clima noturno, que traz a fruta com o mais indicado nível de maturação. Eu escolhi o drink pelo nome mesmo. Quanto mais palavras estranhas na descrição, mais a minha cara. Vieram as bebidas. Desnecessário dizer que a minha estava muuuito melhor do que a do meu amigo. Ele deu umas bebericadas no copo dele e, num esquema de puro escambo, acabou com o meu acepipe em questão de minutos.

Como chegamos um pouquinho cedo em relação à média das pessoas que saem à noite, notamos que o bar foi cada vez enchendo mais... de homens. Até aí, tudo bem. Mulheres demoram pra se arrumar e adentram mais tarde aos recintos, sentindo-se as princesas da escuridão. Homens é que se precipitam precocemente, enchem a cara enquanto esperam seus alvos e, no momento da abordagem, já estão bêbados e só falam bobagem. Na verdade, homem nem precisa de álcool pra falar bobagem. Mas, enfim... Igrejinha lotada, e nada de mulher. Desconfiei que o foco do tal templo submerso nos bas-fonds era outro. Nada contra, veja bem. Pelo contrário. Em hipótese alguma quero aqui fazer qualquer tipo de apologia à homofobia. É que, no caso específico, nossos objetivos eram outros. E a diminuta abadia naquela noite não iria satisfazer nossas necessidades. Pedimos a conta, fomos embora.

Meu fiel companheiro então começa a fazer umas ligações e marca um esquema num bar no bom e velho Baixo Augusta. Era um bar de rock, com open bar, em que havia um tipo de rodízio de bandas cover se revezando no palco. Bandas cover. Open bar. Prestou atenção? Não tinha como eu me dar bem num lugar em que eram servidas cerveja quente com tubaína genérica. Mas, pra quem começou a pândega numa capela com cultos à pederastia, tudo o que viesse a seguir era lucro. Entramos na metaleira pocilga.

Fomos recebidos pela amiga do meu amigo. Pessoa do bem, muito simpática, acolhedora. Ela nos apresentou um amigo, um magrela muito gente boa também. Em seguida, chegou outra amiga, uma moça cujas medidas perimétricas estavam um pouquiiinho acima dos padrões estéticos da nossa sociedade. Usava uma camiseta surrada do Slayer. Gente, na boa. Slayer é uma puta banda, talvez uma das melhores do mundo. Mas balada com camiseta da banda, dos tempos em que eles lançaram Show no Mercy, não dá. Mas era o que tinha pra hoje. Quer dizer, pra ontem. Pra sete anos atrás. Meu parça, a amiga anfitriã gente boa, o magrela também gente boa, e aquele barril de chopp venerando Satanás. Parecia um grupo muito bacanas, mas que em nada iria saciar meu lado machista-cafajeste de “pegar mulher”. Eis que de repente, não mais do que de repente, emerge das profundezas do oceano a encantadora beldade da festa. Tipo vinheta antiga do Fantástico, sabe? Apareceu do nada e conseguiu me hipnotizar. Não lembro ao certo, mas acho que a outra ponta do meu sorriso foi parar lá na Caio Prado. Aí sim, eu finalmente tinha ganho a noite. Bastava eu me concentrar nos meus propósitos: falar um pouquinho quase nada de mim, mostrar que conhecia todas as versões originais das músicas que estavam sendo tocadas e enfrentar o suadouro da fila do SUS pra pegar uma cerveja pra ela. Estava tudo certo e eu era a pessoa mais feliz do mundo.

Até que apareceu um homem. Gato, lindo de morrer. Calma, vou explicar. Eu não fiquei a fim dele. E ele não ficou a fim da minha musa imaginária. É que parece que ele era o ex, ou teve um caso com a rechomchudinha. E entrou acompanhado. Tire suas próprias conclusões. Visualize a cena. A pequena obesa trocando ideia com a réplica do Eddie Vedder, que lhe dá um bilhete azul sem mais delongas. Dali pra frente, só show de horror. A colega, que até então parecia empolgada com o festival de música ruim, começa a definhar como se fosse um balão de gás murchando. E senta-se ao chão. E começa a chorar. Você, que um dia já foi jovem, que já frequentou baladas fortes, que já viu de quase tudo nessa vida, sabe qual é o próximo passo de quem chora porque levou um pé nas nádegas: beber. E dá-lhe aguardente.

A partir desse momento, houve uma sucessão de conversas, diálogos, lencinhos, calmantes, ombros amigos. Como um bom samaritano, até meu compadre notívago tentou consolar a rotunda garota. O problema mesmo foi o climão gerado por esse vexatório espetáculo à parte, que exigiu até a moderação do segurança. Minha Vênus calipígia começou a ficar cada vez mais inacessível. Eu e meu amigo convidamos o restante sóbrio do grupo para ir a outro lugar. Pela cara deles, topariam com certeza. Mas alegaram ter de fazer a escolta para aquela ébria bolha de carne. “Eu tô bem”, ela disse, num tom meio alto, meio mole e meio ranzinza. E você sabe, meu caro. Quando bêbado fala “eu tô bem”, é sinal de que ele não está NADA bem.

Conformados com o fracasso, eu e meu amigo nos despedimos da trupe e decidimos encerrar a noite numa hamburgueria próxima. Fizemos o pedido. Fomos até a mesa. No meio da degustação, toca o celular dele. Era a amiga gente boa. Falou que a bebaça começou a dançar ensandecidamente, até que caiu trôpega e bateu a cabeça no chão. Estavam indo pro hospital. E meu amigo, solícito como sempre, resolveu acompanhar o quarteto. Pra mim, aquela noite foi um amontoado de absurdos. Coisa de dar inveja pro Buñuel e pro Dalí. Eu já não sabia mais o que pensar. Até que meu amigo fala algo do tipo:
- Eu sei, foi vacilo... foi mal... a noite foi uma bosta... mas eu não sossego enquanto não te fizer um favor... questão de honra... coisa pessoal, de cavalheiro...
- Já sei. Vai me dar o resto da sua batatinha.
- Não, não. Tá vendo aquela moça ali? Aquela! Eu vou até a mesa dela pegar o telefone dela.
- Boa sorte. Manda ver.
- Não! Eu vou pegar o número dela pra dar PRA VOCÊ!
- Queisso... desencana... precisa não... de boa. Vambora.
- Não. Eu vou lá, pego o telefone, passo pra você e vou pro hospital. Aí você troca uma ideia com ela. Questão de honra.

Vamos recapitular. Drink exótico. Homens se agarrando. Amiga gente boa. Camiseta velha do Slayer. Musa fantástica. Cerveja quente. Sósia do Eddie Vedder. Choro e embriaguez. E mais choro. E mais embriaguez. Hambúrguer com nome de banda. Ligação a caminho do hospital. Diante desse conjunto de improbabilidades, assistir à cena de um casal que não se conhece apontando o tempo todo pra mim não era nada.

Peguei o papelzinho gentilmente cedido pelo meu amigo, antes de partir rumo ao pronto-socorro. Não havia números. Apenas o nome da desconhecida e seu endereço do Facebook. Fui até sua mesa, tentei explicar o inexplicável. Ela disse que já estava de saída. No dia seguinte, acessei a maior rede social mundial. Encontrei o perfil da moça. Em seu último e mais recente post, estava escrito o seguinte: “Migas, cês acreditam? Ontem um tiozinho pediu pro amigo dele pegar meu telefone. Como pode, um cara de mais de 40 anos achar que eu vou querer alguma coisa com ele? Nem teve coragem de vir direto, precisou chamar o amigo. Claro que dei o número errado, né? Eu, hein? Tô fora”.


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