A história de hoje se passou no fim da década de 90. Mas,
antes de começar o relato, é bom trazer o contexto para quem ainda não era
nascido ou não conhece o lugar. O Playcenter foi o maior parque de diversões de
São Paulo. Deve ter surgido nos anos 70, bombou nos anos 80, sobreviveu nos 90,
começou a dar sinais de cansaço nos anos 2000 e fechou as portas coisa de uns 7
anos atrás. Era gigantesco. Proporcional à quantidade de frequentadores. Creio
que um Playcenter lotado equivalia à população de Belo Horizonte. E as filas
dos brinquedos eram muito, muito grandes. Intermináveis. Pra dar a sensação de
que nem eram tão imensas assim, a organização do parque inventou de fixar
aquelas grades que formavam corredores improvisados. E aí as filas rocambolescas
faziam aquele caracol. Vistas de cima, pareciam o intestino delgado. E, se
fossem esticadas em linha reta, cada fila começaria no bairro do Limão e
terminaria na Rodoviária Tietê. Pra você aproveitar bastante, tinha que ir lá
numas datas meio atípicas, como véspera de Natal, dia de jogo do Brasil na Copa
ou dia de greve dos caminhoneiros, se houvesse. Caso contrário, em dias
considerados normais, você passava a tarde inteira no parque pra conseguir
entrar em no máximo três atrações. Isso tem uma explicação. A maioria dos
frequentadores era galera. Não aqueles grupos de 4 pessoas que resolvem ocupar
uma mesa do Outback. Era grupo meeesmo. Parecia aqueles ônibus que desembocam
na 25 de Março durante o fim de semana. Ou as caravanas do Sílvio Santos.
Quando uma escola resolvia fazer excursão ao Playcenter, era a escola INTEIRA. Se
existisse smartphone na época, o pau de selfie teria que ser do tamanho de uma
canoa pra fazer caber a turma toda na foto. Se por acaso houvesse alguma briga
de gangue, a professora tinha que fazer chamada antes do embate pra conferir se
todos os lutadores estavam presentes. Na prática, essa situação era meio
bizarra. Já imaginou como seria a divulgação do ultimate fighting entre o
Colégio Dom Bosco e a Escola de Primeiro Grau Marista da Glória?
O Playcenter era a opção mais em conta pra quem não tinha
grana para ir à Disney. Mesmo assim, o ingresso não era tão barato. Por isso,
vira e mexe faziam promoções, sorteios, etc. Era relativamente fácil encontrar
o Passaporte da Alegria nas tampinhas das garrafas de Coca-Cola, nos encartes
de jornal... se bobear, tinha Passaporte até na caixa de sucrilhos.
Na época, eu tinha uma amizade muito forte com uma moça que
trabalhou comigo. Rolava um certo clima no ar. Nunca aconteceu nada, nunca
ficamos, nem rolaram beijinhos, nem chegamos a nos declarar, nada. Mas existia
na atmosfera aquela coisa que me alimentava as esperanças de que, quem sabe um
dia, essa situação poderia evoluir.
Pois foi numa dessas promoções, talvez no jornal, que ganhei
o Passaporte da Alegria e chamei essa minha amiga pra me acompanhar. Por três
razões: primeiro, porque eu queria impressioná-la. Quem sabe com esse convite
eu poderia acelerar o processo daquilo que minha cabeça imaginou que um dia
fosse acontecer. Segundo, porque eu não tinha tantos amigos assim. Por mais que
eu seja um cara “sociável”, com milhares de amigos, fãs e seguidores nas redes
sociais, a lista de pessoas na agenda é bem pequena. Sim, na época eu usava
agendinha telefônica, aquela em papel com suas respectivas divisórias por ordem
das letras do alfabeto. E terceiro porque eu, como um bom judeu, não poderia desperdiçar
a oportunidade e menosprezar a informação constante no verso da filipeta:
válido para 2 pessoas.
Marcamos no metrô Barra Funda. Ela chegou pontualmente e
estava bem entusiasmada. A chance de cumprir o critério 1 do parágrafo acima
era quase certa. Aquela com certeza iria ser a tarde mais divertida da minha
vida.
Desculpe interromper novamente a linha de raciocínio, mas
preciso acrescentar outra informação relevante. Eu ia bastante ao Playcenter.
Quando era pequeno. Acompanhado pelos meus pais. Adorava esse programa. Durante
minha infância, saía ileso da casa mal-assombrada. Jamais sofri qualquer tipo
de acidente no carrinho de bate-bate. Era o rei da roda-gigante. Só que os anos
se passaram. E o parque passou a adotar brinquedos mais radicais.
Chegamos ao parque e nossa primeira escolha foi um brinquedo
chamado Samba. Na verdade, de samba ele não tinha nada. A não ser o fato de eu
odiar os dois, tanto a música quanto aquela máquina. Parecia um pandeiro
desengonçado, e você tinha que se equilibrar segurando em alguns ferros
laterais. Quem não conseguisse se segurar, caía. Não vi graça nenhumas, mas
precisava cumprir meu objetivo. Saí de lá com um sorriso de fazer inveja ao
Coringa.
Nossa segunda escolha foi um tal de Viking. Pra quem não
conhece, é um barco que fica subindo e descendo. A cada movimento, ele ganha
altura e velocidade. No clímax da brincadeira parece que você atingiu o topo do
Edifício Itália. Aí ele começa a descer progressivamente, até parar. Entendi
porque o brinquedo ganhou esse nome. Ali dentro o tempo demora tanto pra passar
que parece que eu vivi uns 5 séculos em 5 minutos. Voltei pra Idade Média. E
uma coisa mais recente que adotaram no Playcenter foi botar DJ. Assim que
acabou a brincadeira, o DJ pegou o microfone e perguntou “Vocês querem mais?”.
Achei que a maioria fosse responder: “Não, de boa”. Só que, ao invés disso,
ouvi um coro uniforme gritar “SIIIIIIM”. Igual àquela cabine de um quadro de
perguntas do programa Sílvio Santos. E dá-lhe mais eternidade subindo e
descendo pelas nuvens de São Paulo.
Quando saí da máquina, meu conceito de chão era uma grandeza
muito relativa. Minha labirintite veio parar no joelho. Até tentei manter a
compostura e continuar impressionando minha amiga, mas não teve jeito. No
primeiro amontado de jardim, veio a incontrolável vontade de regurgitar.
Coloquei pra fora o almoço da semana anterior. Imagine você, meu caro. Usei o
Passaporte da ALEGRIA para usufruir de dois brinquedos e passar o resto da
tarde deitado num banco e tomando sal de frutas. Minha amiga, em seu trenzinho a
10 km/h recomendado para pessoas de até 5 anos, passou várias vezes por mim. Os
periódicos tchauzinhos que me foram acenados a cada volta foram a resposta mais
definitiva da tarde: jamais conseguiria impressionar minha amiga naquele estado
crítico.
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