domingo, 29 de março de 2020

A sinuca de Mandetta


Não há dúvidas: Luiz Henrique Mandetta é o presidente em exercício do Brasil. É ele quem tem a incumbência de articular medidas de controle da disseminação do coronavírus. E carrega o fardo de não deixar o país cair no abismo de gráficos desastrosos.

Como político, tem um passado questionável, ligado a forças e interesses conservadores. Mas, como Ministro da Saúde, é inegável seu empenho 24 horas por dia em pensar e oferecer as melhores soluções possíveis e viáveis diante de um quadro ao mesmo tempo incerto e assustador. Muito mais preocupado em elucidar questões técnicas do que cair em emaranhados discursivos políticos, o ministro apresenta equações em sintonia com as orientações da Organização Mundial da Saúde e todos os governantes do mundo inteiro que adotaram essa linha de conduta. As barreiras e dificuldades são imensas. Desde a implementação de leitos em hospitais públicos em tempo recorde, até a liberação de verbas trilhardárias para multiplicar a estrutura do sistema de saúde no Brasil, coisa inimaginável de ser concretizada em épocas mais brandas. Seu maior empecilho, porém, é de outra ordem: Jair Bolsonaro.

É notório que existe uma queda de braço entre o ministro e o presidente. O primeiro ganhou os holofotes da mídia por sua competência em trazer informações à população em tempos de ponto de interrogação na cabeça. Já o segundo parece continuar em campanha eleitoral. Sai às ruas, cumprimenta e abraça comerciantes, contrariando as recomendações mundiais e colocando à prova sua tão propalada onipotência. Como se nada tivesse acontecido. A pandemia é um exagero da mídia, e Bolsonaro coloca-se despido de qualquer medida protetiva para mostrar, com seu heroísmo deslumbrado, que meros perdigotos não serão capazes de matar o corpo de atleta de um capitão que sobreviveu a uma facada.

O problema, entretanto, é que Mandetta está em linha com os governadores, com o Congresso, com qualquer tipo de autoridade com o mínimo de zelo e inteligência. Já Bolsonaro continua se amparando num texto de Trump que só passou em sua cabeça. E, com isso, isolou-se no poder. Bolsonarto tornou-se um tirano de si mesmo. E, enciumado com as repercussões, braveja recriminar seus súditos que pensam o contrário.

Após o pronunciamento pra lá de absurdo do presidente em cadeia nacional, na semana passada, ficou claro que as linhas de governo não se conversam. Mandetta, ao invés de manter a rigidez de sua postura ética para que a sociedade como um todo tome as providências drásticas e amargas necessárias, pegou bem mais leve. Em coletiva de imprensa, afirmou que a quarentena foi precipitada. Defendeu, sem defender, o isolamento vertical (aplicado somente a idosos, pessoas dos grupos de risco ou pessoas que apresentem algum sintoma da famigerada gripezinha). Tanto é que, nas redes sociais, foi apelidado de ministro-sabonete. Nessa época em que o sabão, o detergente e o álcool gel são artigos de luxo e de extrema necessidade, tal alcunha viria a cair bem. Não foi o caso. Passou-se a impressão de que o ministro falou conforme as conveniências e aderências das circunstâncias.

Mandetta se vê numa sinuca de bico. Se seguir as orientações médicas do planeta inteiro, vai bater de frente com Bolsonaro. Se fizer o contrário, vai de fato levar a saúde pública do país a uma irremediável situação de colapso. Então, o pulso-firme começa a desenhar um posicionamento meio de carta-coringa. Ele não pode ser o pivô de uma desestabilização do governo. Mas também não pode ceder aos ímpetos lunáticos desse déspota imbecilizado que nos preside. Um trunfo ele tem. Se demitido, o Brasil não possui um nome à altura para ocupar o cargo. Médicos competentes é o que não falta. Dr. Drauzio Varella seria um deles. Mas o Brasil fragmentado de hoje precisaria muito mais do que um doutor nas ciências. É necessário ter a virulência que o cargo exige num momento crítico como este e ao mesmo tempo fingir subserviência ao fascista desvairado pra não corroer o Estado de vez. Por enquanto, essas sabonetadas têm dado certo. Bolsonaro se vê num compulsório confinamento político, enquanto Mandetta e sua trupe de apoiadores atuam de forma a parecer que vivemos um parlamentarismo brando e temporário. Resta saber qual será o prazo de validade deste medicamento paliativo.


Nenhum comentário: