Alguns chefes de governo, autoridades e especialistas
médicos estão recomendando para a sociedade não entrar em pânico. Nada mais
justo. Se já é difícil controlar a pandemia em condições normais de temperatura
e pressão, imagina num calamitoso estado de histeria coletiva. Nesse momento, a
calma e a tranqüilidade são artigos tão essenciais quanto o álcool gel.
Para seguirmos nossas vidas de maneira mais ou menos segura,
ou pelo menos com a insanidade controlada, basta obedecermos às recomendações
dos profissionais que estão a toda hora, em todas as mídias. Em primeiro lugar,
é muito importante lavar as mãos. Usamos essa orientação como se fosse um
mantra. Só que mão é um conceito muito vago. Aí vem o update: lavar por 40
segundos a mão, as unhas, as juntas dos dedos e o pulso. E o vírus não escolhe
só as mãos pra se instalar. Ele pode aparecer atrás da orelha, ou nos vincos
das narinas, no umbigo e em qualquer reentrância sobre a qual você não costuma
dar conta. E os recados médicos vão ganhando força e amplitude. Afinal, esses
profissionais também estão aprendendo tanto quanto a gente. Eles nunca
enfrentaram uma situação assim. Aí vem o update do update: a disseminação de
posts falando pra tirar a barba. Ela é foco de bactérias (muito embora, como o
próprio nome diz, o coronaVÍRUS não seja uma bactéria. Mas tudo bem. O
importante são os hábitos higiênicos). E todo aquele feminismo de não depilar a
perna ou deixar crescer os pelos das axilas cai por terra. Vamos juntos
combater a proliferação desse malvado. Vamos procurar dentro de nós aquele mais
recôndito orifício que a gente não ensaboa desde a greve dos caminhoneiros.
Vamos raspar tudo quanto é pelo de contágio, eliminar nossos cabelos e tirar um
selfie do novo look que parece que estamos entrando numa sessão de
quimioterapia, mas NÃO VAMOS ENTRAR EM PÂNICO.
E as novidades continuam aparecendo. Não basta lavar as mãos
ou usar álcool gel. A roupa que você usa pode estar contaminada, caso tenha
encostado em outro foco infeccioso. Estudos recentes mostram que o corona não é
um vírus de inverno. Ele resiste ao calor, à água, sobrevive no ar e pode ficar
alojado em superfícies por um período ainda desconhecido, mas já se fala que
alguns deles pretendem usar a Lei do Usucapião pra se instalarem
permanentemente na sua bolsa ou mochila. Ou seja, quando você chega em casa
(nem deveria ter saído), a primeira coisa a se fazer é tirar os sapatos. Se não
tiver nenhum vizinho olhando, tire toda a roupa e coloque direto na máquina.
Sem falar com ninguém, vá direto ao chuveiro. Isso vale pra hoje. Capaz de
amanhã uma equipe de sanitaristas vestidos de uniforme da NASA e capacete
espacial dar banho em você usando um esguicho de agentes químicos. Lavar as
roupas guardadas é bom também. Nunca se sabe se aquele vestido que você usou no casamento de sua
prima que hoje está com 50 anos está infectado. Medidas de precaução. Hoje você
joga uma ducha no seu Nike, amanhã você taca fogo no seu guarda-roupas inteiro,
mas NÃO VAMOS ENTRAR EM PÂNICO.
Supermercado é outro fenômeno a ser estudado. Roga-se para
as pessoas evitarem as aglomerações e se dirigirem a locais públicos somente em
casos de extrema necessidade. Tentemos
entender a lógica. Com exceção dos hindus, ninguém vive de luz. Se um freguês
vai ao supermercado e lota seu carrinho de compras, isso quer dizer que ele vai
diminuir a freqüência de voltar ao estabelecimento, seguindo as recomendações.
Só que, em tempos de zumbilândia, carrinho cheio virou sinônimo de egoísmo. De
ostentação. Colocar 2 rolos de papel higiênico na cestinha significa que o próximo
da fila vai ficar sem. Mas não vamos falar de cocô. Vamos falar de comida.
Durante essa quarentena de 20 dias, que pode durar 1 mês, ou quem sabe esticar
até as Olimpíadas, as pessoas estão em casa sem nada pra fazer. E com o cu na
mão porque não sabem como vai ser amanhã. Se ainda vão ter emprego. É a
ociosidade que estimula a ansiedade. E, na maioria dos casos, pessoas ansiosas
tendem a comer mais. Está rolando um vídeo nas redes sociais em que, dentro de
um supermercado abarrotado de gente, um sósia do cantor Péricles tem um ataque
de fúria, sobe num carrinho e começa a gritar com as pessoas. Ele fala pro povo
ir pra casa, pra não entupir o carrinho de mercadorias. Seu discurso até que
faz sentido. O problema é aquela imagem, a cena típica do Apocalipse. As
pessoas não sabem, então, se devem se munir de estoque pra evitar o contato
físico ou se devem ser solidárias e viver como sobreviventes de Auschwitz, mas
NÃO VAMOS ENTRAR EM PÂNICO.
Ah, tem também o movimento pra parar o Brasil. Sim, frear
completamente. Numa realidade em que PIB zero virou uma projeção otimista. Num
desses vídeos que o amigo do vizinho nos encaminha em grupos de WhatsApp, e a
gente acaba clicando por falta do que fazer, o Marcos Mion faz um apelo sério
pra sociedade. Começa falando calmamente sobre os cuidados que devemos tomar,
mas depois vai aumentando seu volume de voz. Num surto de empolgação, grita
para as pessoas não saírem de casa. Parece que a única maneira de as pessoas
entenderem o recado é pelo modo berro. Frases apelativas e ululantes que nos
fazem parecer idiotas. O apresentador tratando seus seguidores como se eles
fossem os piores clipes do mundo. E aí, meus caros, temos médicos aprendizes, políticos
oportunistas, consumidores ensandecidos e celebridades esquecidas que nos
entopem de informações novas e diferentes a cada dia, mas NÃO VAMOS ENTRAR EM
PÂNICO.
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