domingo, 8 de março de 2020

Dia da Mulher

No ano passado, enviei por WhatsApp, para algumas mulheres com as quais mais convivo nos últimos tempos, uma lacônica mensagem desejando um feliz Dia da Mulher. A maioria me respondeu de maneira igualmente objetiva, retribuindo o carinho e a lembrança. Mas teve algumas, bem poucas por sinal, cuja reação foi, digamos, menos receptiva. Apareceu na minha tela o VV azul, ou seja, a pessoa recebeu a mensagem, leu e a ignorou.

Pois bem. Sempre que publico alguma mensagem no Facebook, o mais fascinante (e em alguns casos desgastante, diga-se de passagem), aquilo que me faz querer continuar a brincadeira, é a imprevisibilidade. Eu jamais sei a reação de cada um. E elas podem ser várias. Claro, como eu sou um apaixonado pela escrita, tenho em mente aquilo que quero causar, e isso é tudo muito calculado. Mas, diante de uma biodiversidade tão complexa, de um universo tão abrangente e diferente em suas partes, fica um pouco mais difícil esperar por uma reação em uníssono. Isso todo dia, em todo e qualquer post. De macarronada a Bolsonaro. Pois quem está agindo, reagindo e interagindo são pessoas das mais diversas formações, convicções, repertórios, experiências de vida, maneiras de pensar o mundo.

Com o Dia da Mulher não poderia ser diferente. A maioria delas, suponho eu, achou bacana a iniciativa. O fato de elas serem lembradas. Já a minoria que me deixou no vácuo (e continuo aqui trabalhando no campo das hipóteses) provavelmente deve achar que a criação de uma data como essa reforça ainda mais o machismo social. Não existe um "dia da mulher" que não sejam todos os dias do ano. A maioria deve achar que tudo bem. Elas sabem que mãe é mãe todo dia, pai é pai todo dia, e mesmo assim aceitam de boa a comemoração e, não só isso, vão às lojas comprar presentes. Algumas delas, talvez, devem achar que não se deve comemorar uma ocasião enquanto não houver de fato a igualdade. Já outras pensam que a estipulação desse dia é um marco fundamental para deixar registrado na história a luta e as conquistas alcançadas, ainda que isso tenha uma aspecto de martirização. Assim como o feriado de Tiradentes. Algumas mulheres devem achar que dar uma lembrança no dia 8 de março é como dar espelhinho pra índio. Mulher não quer saber de flores, nem de caixa de bombons. Mulher quer salários compatíveis com os dos homens. Quer exercer cada vez mais cargos de liderança. Quer o reconhecimento pelo seu valor, meritocrático mesmo, e não ter de ouvir em papinhos de corredor "foi promovida porque deu pro chefe".

Ouvir de mim um "feliz Dia da Mulher", para as minhas amigas, talvez tenha sido algo a calhar. Me colocou num patamar acima de quem simplesmente não escreveu nada. Mas, para a minoria (e sinto-me bastante compreensivo quanto a isso), talvez isso soa meio hipócrita. Não dá para emitir qualquer tipo de felicitação num país campeão mundial de feminicídio. Uma terra que registra um caso de abuso, agressão ou estupro a cada hora. Em que a violência doméstica mata mais do que os latrocínios. Isso sem falar nos índices absurdos de assédio, e seus incontáveis relatos de homem que passa a mão na bunda, ou qualquer outro gesto obsceno, e a coisa fica por isso mesmo. Está incutida na mente da população que mulher que sai de minissaia é pra provocar. Que vivemos na sociedade do fiu-fiu e do tomara-que-caia.

Um "feliz Dia da Mulher" pode ser tão vazio e impessoal, algo mercantilista como o "Feliz Natal" ou "Feliz Páscoa", quanto trazer consigo todo o peso e a importância da conquista do voto feminino, do incêndio na fábrica de sutiãs. A resposta para essa equação vai estar sempre na cabeça do interlocutor. Talvez a sociedade de hoje esteja mais tolerante e perceba que, de felicidade em felicidade, podemos construir um mundo melhor. Outras, ainda que em menor escala, devem achar que, enquanto não houver um país mais justo e mais tolerante, impossível existir qualquer tipo de alegria num dia como hoje.

Eu sinceramente não sei. A única coisa que sei é que não vou conseguir agradar a todos e a todas. Bom, muitos de vocês já me conhecem. Sabem que eu prefiro correr riscos ao invés de me manter calado. Portanto, aqui vai. Só pra manter a emoção da imprevisibilidade, ainda que sob o risco de ser xingado, deletado ou o pior: ignorado. FELIZ DIA DA MULHER.

Nenhum comentário: