domingo, 20 de dezembro de 2020

Aspirador de pó

 

Natal é época de realizar sonhos, fazer pedidos e correr atrás dos objetos de desejo. Sonhos, pedidos e desejos, isso é o que resume a festividade. Se Papai Noel fosse psiquiatra, estaria com seu consultório lotado até a próxima década. Durante os últimos dias do ano, marcado por restrições e contenções de despesas, a gente faz questão de sonhar alto. Pede logo uma TV Ultra HD 8K tamanho Espaço Itaú de Cinema. Ou gasta todo o 13º dando entrada nela. Pede um ar-condicionado, logo agora que faz um calor da porra, que obedece ao dono por comandos de voz. Solicita ao velho barbudinho uma casa conectada, em que todos os aparelhos parecem fazer parte de um grupo de WhatsApp, e com um controle remoto universal você consegue ao mesmo tempo ver o que tem na geladeira, selecionar a função gratinar do micro-ondas e escolher um filme na Netflix.

 

Eu também queria sonhar com uma Ferrari doméstica. Mas estamos em 2020, lembra? Qualquer coisa que vier do saco do Polo Norte já tá de bom tamanho. E tem outra: com os péssimos serviços de delivery observados recentemente, não é bom contar muito com a sorte. Vai que as renas confundem as chaminés e seu pedido vai parar numa fábrica desativada da Mooca. É que nem os especialistas em Economia falam: em época de pandemia, não existe almoço nem frete grátis.

 

Por isso, optei por uma escolha mais módica. Fui até uma loja física e comprei um aspirador de pó. Não quero ter uma casa igual à do Luciano Huck nem acabar com a fome do planeta. Se eu conseguir acabar com minha lordose já fico satisfeito.

 

O aspirador de pó aqui de casa está mais quebrado do que eu após a faxina. Tudo se desmonta. Parece que foi fabricado pela Lego. A alça para transporte manual se soltou da base e está amarrada por um barbante. O tubo plástico se solta a cada arrastada. De tanto ser pressionado em superfícies, o orifício de sucção do cano (esse é o termo técnico; não vá pensar bobagem) se comprimiu. Antes dava pra passar uma bola de tênis por ele. Agora, mal e mal uma bolinha de gude. A vassourinha que se acopla ao cano tem uma quantidade de fios de cabelo igual ao véio de Havan. Descobri que meu aspirador sofre de asma, coitado. Não consegue inalar a poeira por muito tempo sem tossir. Não é um aparelho propriamente pesado. Mas é um inútil. Largado. Não dá a mínima vontade de carregar esse encosto. Numa relação proporcional entre a massa atômica de um corpo que ocupa lugar no espaço e os serviços que ele presta à Humanidade, poderia dizer que adotei o cantor Péricles. Talvez ele até tenha lutado bravamente no combate à sujeira. Logo depois da Segunda Guerra. Acredito que ele tenha sido entregue à nossa casa, lacrado e autografado pelo próprio inventor do aspirador de pó. Ou não. Talvez essa geringonça tenha sido comprada no Mappin, em 10 parcelas de 2,5 milhões de cruzados novos. Não sei. Procurei o manual de instruções para saber sobre a assistência técnica. Estava escrito em aramaico. Fui ver na garantia. Venceu no dia do milésimo gol do Pelé.

 

 

Quero deixar registrado que odeio, com todas as letras, fazer faxina e tirar o pó da casa. Isso me remete aos tempos mais traumáticos da minha adolescência. Não consigo atenuar o desgaste que isso me causa ou minimizar a chatice da tarefa. Não vejo essa função como um substituto ao exercício em academia. Lá na Smart Fit você tem a chance de paquerar as meninas com seus corpos esculturais. Na faxina, o máximo que vai acontecer é você exibir suas banhas e sua camiseta velha do Iron Maiden pros vizinhos. Na academia você se transforma num Vin Diesel. Limpando a casa, você vira um Corcunda de Notre Dame. Na malhação você libera endorfina. No suadouro doméstico você implora por um Dorflex.

 

Mas, já que esse afazer é obrigatório, necessário e inevitável, e durante o isolamento social não tem ninguém que faça por você, o jeito então é sonhar. Com um aspirador prático, potente, fabricado neste milênio. Que limpa, que funciona, que te faz feliz por meia hora. Esse é meu desejo freudiano. Passar o Natal livre do coronavírus, dos ácaros e da escoliose.

 

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