Como publicitário e consumidor de fast-food, não posso
deixar de admitir: as campanhas da rede Buger King são do caralho.
Nos meus mais de 30 anos de profissão, confesso que minha relação
com a profissão nunca esteve tão desgostosa. A Propaganda perdeu seu brilho,
seu charme, sua irreverência. Tá tudo muito genérico, muito padronizado, muito
parecido. 2020 escancarou uma tendência que já vinha se notando nos anos
imediatamente anteriores. Parece que todos os clientes estão falando a mesma
coisa. O discurso é o mesmo. Começamos a prestar atenção nos anúncios,
comerciais e postagens no modo soneca. A gente se esqueceu das marcas, pois
todas elas parecem fazer parte de um mesmo pacote. Reparou nas campanhas de
banco? Tudo igual. É aquele mesmo tom emocional, milimetricamente calculado
para fazer chorar. E para vender a imagem solidária de um dos segmentos de
mercado mais perversos durante a pandemia. E as operadoras de celular? Minorias
raciais fazendo exatamente as mesmas poses, só pras empresas ficarem bem na
fita no que diz respeito à diversidade. O consumidor ficou chato. Eu fiquei
mais chato. E a Propaganda deveria trazer aquele frescor. Mas não. Ficou tão
chata quanto a gente.
A Propaganda ficou sem graça, em boa parte pela mudança de
processos. Hoje você não consegue vender uma proposta se ela não vier embalada numa
apresentação em Power Point com 100 slides. A parte boa, gostosa e divertida de
se assistir não ocupa mais do que 20% desse projeto. Tá lá, embutida, tímida,
seguida de uma defesa criativa. A Publicidade brasileira virou isso. A
necessidade de defender e o medo de atacar. Tudo agora é conceito. Um brinde de
fim de festa não pode ser só um brinde se não tiver um conceito. Tudo tem que
estar amarrado, linkado e outras palavras que os neomarqueteiros adoram usar. A
criatividade cedeu lugar à viralização. Não basta ser um gênio. Tem que ter
seguidores, tem que promover o buzz, tem que ter uma historinha por trás. Storytelling,
debriefing, benchmark, live marketing, social media, user experience. Novos
nomes, novos modos de operar, uma nova realidade que camufla, acoberta e ofusca
cada vez mais a essência e a alma do negócio: a boa ideia.
É por isso que eu vejo o Burger King como um oásis no
deserto. Me faz lembrar os áureos anos 70, 80 e parte dos anos 90. Quando a
Publicidade brasileira era mundialmente premiada com louvor. Quando o comercial
de 30” ficava retido na memória pelo seu aspecto inusitado e não pela insistência
de veiculação. Quando a gente ligava a TV só pra ver esses filminhos. Folheava
uma revista só pra ver os anúncios. Naquela época eu entendia o sentido da
frase que diz que o ótimo é inimigo do bom. Que saudades, que delícia lembrar
do embate ideológico e publicitário das campanhas da Folha e do Estadão. Aquilo
sim era polarização de verdade, de bom gosto.
O Burger King trouxe de volta essa ousadia esquecida. Deixou
de lado a fobia do erro. Não tem pudor algum em mostrar o anti-appetite appeal.
Aprendi na faculdade que, de um modo geral, via de regra, o segundo lugar no
ranking de consumo costuma se valer de uma comunicação mais agressiva em
comparação com o líder. Faz um certo sentido. As campanhas da Pepsi são mais
memoráveis que as da Coca-Cola. A gente quase não guardou nada muito marcante
da Nestlé, Unilever, Samsung. O Mc Donald’s, por exemplo, faz belas campanhas eletrônicas
e digitais. Assistindo ao preparo de um sanduíche, dá vontade de salivar. Nas
redes sociais, usa uma linguagem engraçadinha. Até aportuguesou o nome de suas
lojas. Mas nada que fique pra história. Do ponto de vista ético e estético,
tudo muito convencional. Já o Burger King foi além. Entrou de cabeça na
política ao veicular uma campanha contratando o elenco rejeitado por Bolsonaro
nos filmes do Banco do Brasil. Pode ter sido uma estratégia oportunista, mas ao
menos serviu para cutucar o estado das coisas e trazer um pouco mais de calor a
essa publicidade tão branda, tão morna e tão politicamente correta. Publicou a
foto de um sanduíche mofado, esverdeado, que despertou nojo ao invés de fome.
Mas ali havia uma grande ideia. Aquilo foi uma provocação, um ataque frontal ao
seu principal concorrente e arqui-inimigo de vendas, que usa uma série de
conservantes e ingredientes químicos para que seus produtos não envelheçam. E
eis que ontem, no intervalo da Retrospectiva 2020, me deparo com a mais recente
boa-nova da rede. Vi na TV, aquela geringonça que enfeita a sala. TV aberta,
Rede Globo, antigo canal 5. Porque, quando a ideia é genuinamente boa, não
importa onde seja transmitida. Na pausa em que se recapitulou esse horrendo
2020, o filme do Burger King mostrou pessoas deglutindo um lanche igualmente
horrível, composto por gororobas como jiló, pé de galinha, jaca, miojo e outras
descombinações. Foi a melhor comparação simbólica do ano. A degustação desse
lixo gastronômico causou ânsia de vômito aos participantes, assim como a
pandemia, o uso de máscaras e o “e daí?” causaram essa mesma vontade a nós,
telespectadores. Parabéns aos envolvidos. Vocês trouxeram de volta o humor a um
segmento de mercado tão anódino ultimamente. É isso que de fato nos chama a
atenção: uma ideia ótima no meio de um ano péssimo.
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