sábado, 10 de julho de 2021

O Charlatão

Em tempos de cloroquinas, azitromicinas, ozônios retais e demais terapias alternativas e curas milagrosas sem comprovação científica, trazer às telonas brasileiras uma história da metade do século passado faz todo sentido.

O foco recai em Jan Mikolásek, um bem-sucedido curandeiro tcheco que atendia a população do país comunista após a Segunda Guerra mundial. Prestava serviços não só para a comunidade carente, mas também para os altos cargos da república, como, por exemplo, o ex-presidente Antonin Zápotocky, que aparece em seu leito de morte logo na primeira cena. 

Jan usa métodos pouco ortodoxos em seus diagnósticos. Ergue frascos de exame de urina dos pacientes, olha contra a luz e, de acordo com o que aparece no interior do recipiente observado a olho nu, prescreve medicamentos homeopáticos e à base de ervas. Daí o título do filme serve como um questionamento: estamos diante de um salvador da pátria ou de um embusteiro?

A premiada diretora polonesa Agnieszka Holland traz a esse contexto um retrato cuidadoso, evitando exageros ou maniqueísmos precipitados. Tudo é muito árido, contido, encenado por gestos quase mecânicos, e a fotografia esmaecida dá conta de traduzir uma época e um povo de poucas alegrias. 

A interpretação ambígua do ator Ivan Trojan no papel principal é um capítulo à parte. Junto com toda essa benevolência de atender claudicantes aleijados que fazem filas ao redor de seu consultório, existe uma persona rancorosa, mal-humorada, reclusa e antissocial. Isso diz muito mais de um regime de governo e de um dos períodos mais conturbados da história do que meramente do médico oportunista em questão.

Entretanto, Holland atenua essa contundência minimalista por meio de flashbacks digamos, mais adocicados. Ao sentir a necessidade de rechear o filme com elementos que esclareçam melhor a contextualização histórica, a diretora perde esse poder de síntese e cai em artifícios mais convencionais. Na juventude, durante o aprendizado com uma controversa curandeira da região, Jan se mostra mais vívido e deslumbrado. Nessa parte, o filme sai do opaco sombrio e nele são inseridas matizes mais reluzentes. Os frascos de urina carregam um amarelo mais cintilante. É o momento de respiro ao espectador, mas também serve para mostrar que os bons tempos se apagaram.

Entre o claro e o escuro, entre o rígido e o frouxo, entre o bisturi e as flores, entre a cura e a enganação, tudo parece seguir uma lógica. Essa linearidade, entretanto, é desfeita com a introdução de um novo elemento. O assistente do médico, Frantisek Palko, até então mero coadjuvante, passa a ganhar uma relevância suspeita, diluindo um pouco mais a eficácia retórica do roteiro. Daí, O Charlatão torna-se mais uma panaceia do que um remédio amargo. Esse é o seu efeito colateral.


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