quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O aborto do cinema

Estréia amanhã O Aborto dos Outros, um filme que leva adiante a questão sobre a discriminalização do aborto e abre a discussão para diferentes situações e parâmetros de análise. Um trabalho bem-vindo, ainda mais que está em tramitação no STF a polêmica sobre legalizar ou não o aborto em casos de anencefalia fetal. E o filme que estreou semana passada, Bezerra de Menezes, vai na contramão da história. Quando recebi o informativo da assessoria de imprensa comunicando que este foi o campeão de bilheteria do fim de semana de estréia, duvidei larga e abertamente. Não é possível um ilustre desconhecido ultrapassar os cinquentenários desafinados e sua elegia efeméride à Bossa Nova, entre outros exemplos supostamente mais bem-sucedidos nas bilheterias. Tá certo que uma semana que bota uma dúzia de estréias numa leva só tende a diluir o impacto de cada filme. Mas fui ontem (quarta) ver o filme, em shopping, e de fato a sala estava relativamente recheada. Como não costumo ler antecipadamente sinopses, não sabia o motivo de tal movimento. Só então fui perceber que o filme trata de espiritismo, e em casos de assuntos voltados especificamente a nichos de público, reforçados pela religião envolta, é inconteste que atraem mais pessoas. Mas o filme é pra lá de retrógrado. A câmera paralítica traz uma dinâmica proporcional à que o tema suscita. Carlos Vereza não atua, apenas mostra seu rosto diante de uma voz em off dele mesmo. A trilha sonora é modorrenta, parece filme de terror (talvez seja mesmo), não encontra seu clima em relação a um roteiro que não tem clima algum. Mais moroso que novela de época das seis. Tudo muito congelado, voltado ao discurso e não às imagens. O filme protagonizado pelo Brendan Fraser é muito mais acelerado, e olha que traz criaturas chinesas embalsamadas. No final da morte do Bezerra, há um texto dedicando essa insípida e equivocada película à luta contra o aborto voluntário, embasado por um trecho de discurso da Madre Teresa de Calcutá. Quando a sociedade se mobiliza para discutir e se envolver em temas que colocam no subtexto a hipocrisia, me vem essa coisa-qualquer que mantém estanque esse avanço social. Se é para comparar a estréia na direção em longas-metragens, sou muito mais Gallo e seus Olhos de Cão do que Bezerra desmamada de um mínimo rigor cinematográfico.

O Aborto dos Outros - 3 lentilhas
Bezerra de Menezes - caldo
A Múmia - 2 lentilhas

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