terça-feira, 30 de setembro de 2008

Acôrdo ortographico

Está aprovado: a partir de 2012, seremos todos iguais. Pelo menos o Brasil, Portugal, Angola e demais colônias lusitanas. Do ponto de vista lingüístico, iremos nos tornar equânimes e globalizados dentro do nicho lusíada. Nosso presidente Lula Molusco assinou a lei que unifica algumas regras da Língua Portuguesa. E, como toda boa polêmica, há o lado bom e o lado ruim. Em primeiro lugar, vem a consolidação escrita da darwinista lei do uso e desuso. O novo acordo tem a proposta de enterrar definitivamente a cauda, os pêlos lingüísticos e as mandíbulas primatas do ser humano. Mas o mais importante é o aspecto econômico. A unificação de algumas particularidades do idioma deixa este conglomerado de países mais coeso e, portanto, mais forte nesta questão. Trata-se de um mecanismo facilitador das relações comerciais internacionais, da viabilização da criação de um mercado comum. Eliminar acentos diferenciais, tremas, hifens e outros rabiscos textuais é mais ou menos como desindexar o vocabulário. Esta padronização escrita funciona como um tipo de dolarização, guardadas as devidas proporções. Se a criação de um denominador comum faz com que todo mundo se entenda, então não há maiores empecilhos nesse sentido. E não me venham falar em resistências formais. A língua inglesa, cartão de crédito para o mercado de trabalho, a verdadeira moeda verbal aceita no mundo inteiro, invadiu o Terceiro Mundo sem maiores problemas. Chamar futebol de ludopédio e milk shake de leite batido foi uma iniciativa quixotesca de alguns casos isolados preocupados em preservar a integridade eugênica da Flor do Lácio. A língua é móvel, a língua é mulata, suscetível a sincretismos e miscigenações. Não adianta congelar este material vivo e deixá-lo incólume a influências e modificações. Por essa razão, vêm as controvérsias em relação à eficácia dos efeitos dessa hegemonização por decreto. A língua é o músculo-reflexo de uma cultura, da tradição de um povo, da forma de pensar de uma sociedade. Tabelar e precificar essas idiossincrasias é podar essas particularidades, circuncidar sua irreverência e sua forma de se expressar no globo.

Ainda que aparar a grama e eliminar as tranqueiras gramaticais gere essas divergências ideológicas ou acadêmicas, o que mais me preocupa não é o que é cabido, o que é excessivo ou o que ainda poderia sobreviver. Com o tempo a gente se acostuma a isso, assim como nos adaptamos ao trabalho sem registro em Carteira, à urna eletrônica, à revisão ortográfica do Word, ao dicionário do Google. A extinção do trema não é uma questão, até porque a maioria da população não faz idéia do motivo do uso de tal rebuscado acento. O que me deixa aborrecido é que, em pleno Século XXI, o método de ensino do mecanismo máximo de expressão ainda se dá na base da decoreba. Os falantes do Português estão se lixando para os conceitos, princípios e noções diacrônicas (históricas) que regem o processo de formação de palavras, por exemplo. Uma teoria que parece inútil, mas que pode ajudar na compreensão da utilização ou não do hífen. Passar a lixa nos sinais gráficos, pura e simplesmente, continua sendo algo tão burro quanto acentuar tudo quanto é vogal que aparece na frente do escrevente. Essa reforma não veio para simplificar, como se imagina. Ela veio para estatelar o vigor da língua. Macaquear outros idiomas considerados “avançados” por seu poder de síntese. Sem acentos, somos mais parecidos com os norte-americanos. Existe uma preocupação coletiva voltada muito mais ao fato de se entender o quanto essas mudanças irão mexer com a rotina da escrita. Grande parte das modificações previstas centra-se nas vogais: acento diferencial, acento em ditongos abertos, trema, etc. Em contrapartida, a Internet está começando a criar um outro código lingüístico, recheado de imagens (emoticons) e de abreviações. Vc, tb, td, tks, abç, bjs, blz, vlw, são alguns significantes meramente consonantais. Como se pode perceber, para esta nova e estranha língua que há de ser inventada o valor semântico recai sobre as consoantes. As vogais são letras de ligação, vácuos anódinos. Então, por que tanto peso sobre as tais vogais nesta reestruturação vernacular? Pensar nesta padronização, ainda que tardia, não seria ir na contramão da comunicação dos novos meios e formatos? A meu ver, decepar essas manchinhas sobre as letras não é mutilar o idioma. Já não se pode dizer o mesmo sobre o descaso em relação a esse legado histórico, esse patrimônio nacional. O que dizer então da maneira ditatorial e pouco saborosa de se ensinar o Português no Brasil? Num país em que ainda há analfabetos, discutir sobre a inclusão do k, w ou y é algo tão inócuo quanto hipócrita. Adequar-se ao novo é mais do que necessário, isso é óbvio. Mas eu quero ver é se esta língua mais enxuta, se este uniforme tamanho P vai servir para o físico do novo brasileiro. Ou se vai continuar bem largo para quem dá de ombros para as transformações.

Nenhum comentário: