sábado, 4 de abril de 2020

Bom Brasil X mau Brasil

Dias atrás, relatei que o entregador de gás não adotava NENHUMA medida preventiva em relação ao coronavírus. Nem entrei no mérito do valor cobrado pelo botijão, pois minha mãe falou que costuma pagar mais caro do que o valor estipulado pelo governo, em qualquer época do ano, independentemente da situação. Mas andei vendo e ouvindo reclamações sobre o abastecimento. A demanda aumentou, é óbvio. Ficando em casa, as pessoas cozinham mais. Um burocrata da empresa esclareceu gaguejando no rádio que houve um rompimento de um duto, o que causou a falta da matéria-prima. Mas acho que o buraco é mais embaixo. Em recente reportagem do SP TV (sim, nessa época de quarentena ando vendo o César Tralli mais do que o Vin Diesel), a equipe foi até um depósito na Zona Leste e averiguou que algumas pessoas, se passando por funcionários das distribuidoras, faziam a rapa no estoque e lotavam suas caminhonetes de botijão, vendendo o produto por aí cerca de 50% a mais do valor. Inclusive com veículos clonados e falsos adesivos colados na lataria. Três deles foram autuados e presos. São os golpistas, oportunistas, gatunos. Aproveitam-se de uma situação de escassez no mercado e, pela lei da oferta e da procura, querem sair ganhando ao invés de se sensibilizaram com a calamidade pública que reina sobre o mundo. O entregador que veio aqui na rua era desconhecido. Não era o que costuma aparecer. Simplesmente estacionou seu carro e começou a vender, sem parecer ter atendido a algum chamado telefônico de entrega. É, muito provavelmente, um desses aproveitadores, ou talvez um subalterno dessa gangue de estelionatários. Entrei no site da Liquigás pra fazer a reclamação, somente no que diz respeito aos procedimentos higiênicos do entregador. Ao clicar no Fale Conosco, o site automaticamente me redirecionou para a página da Ouvidoria Petrobras. Digitei a reclamação. Ontem recebi um e-mail automático dizendo que a situação relatada nada tem a ver com Petrobras, mas sim com a Liquigás. Esse é o mau Brasil.

Agora vamos falar do bom Brasil. Semana passada, fui ao Pão de Açúcar. Sim, eu sei. Quebrei a quarentena. Mas era inevitável: ou eu descanso ou eu morro de fome. O estoque de comida estava quase acabando. Poderia ter usado o delivery. Mas a fila de espera é absurda, em alguns casos o prazo de entrega é de 2 dias, o frete é mais absurdo ainda, podendo passar de R$ 20, e vizinhos me contaram que tem vindo bastante produto errado ou coisa faltando. Prefiro ver o que estou comprando. Se a lata está amassada, se o macarrão está quebrado, se o item zero açúcar é diferente do item zero adição de açúcar. Enfim, esse sou eu. Fui lá. O clima, de fato, era de começo de guerra. Não havia muitas opções de escolha. Algumas prateleiras relativamente vazias. Outras, com apenas um único tipo de produto, de uma única marca. Em alguns corredores, avisos limitando a quantidade de itens permitidos por consumidor. E quase nenhuma promoção. Comprei não exatamente o que queria, mas o que foi possível diante do presságio de fim de mundo. Saí de lá um pouco preocupado, mas ao mesmo tempo aliviado ao perceber que, não fossem as medidas do governo do Estado e todos os profissionais envolvidos nessa logística, o desabastecimento seria ainda maior. Ontem, voltei ao supermercado. Tive que. Já no estacionamento, encontrei uma fila de quase 20 pessoas. Estavam controlando e limitando a quantidade de clientes no interior da loja. Diante dessa cena apocalíptica,me sentindo o protagonista de Walking Dead, Mas, quando adentrei o estabelecimento, me lembrei de como era bom fazer compras em supermercado vazio. Me senti em fevereiro, ou seja, 589 dias atrás. Tudo muito fluido, organizado. Prateleiras cheias, com produtos de várias marcas, tipos e sabores. Nenhum sinal de alerta sobre o limite de peças por cliente. E o melhor: começaram a voltar as promoções. Coloquei no carrinho a quantidade de mercadorias que achei necessária, nem tão abusiva nem tão controlada, sem ficar com a consciência pesada ou me sentir culpado por desmunir o próximo da fila. E tudo isso dentro dos padrões recomendados: adesivos de chão marcando a distância mínima entre pessoas, álcool gel na entrada e na saída, a maioria dos atendentes de máscara, plástico-filme na maquininha de cartão.

Não quero fazer apologias. Dependendo da rede, da cidade, da região, do dia ou do horário de visita, a experiência pode ser totalmente diferente. Mas é diante de uma situação de crise que, trocadilhos à parte, caem as máscaras. E a gente consegue perceber melhor um pouco de cada um. Tem a empresa que fornece álcool gel aos funcionários. E tem a que não está nem aí. Tem o golpista que aproveita o pânico para enviar links falsos e maliciosos em grupos de WhatsApp. E tem a mobilização coletiva que impede o fechamento de um cinema de rua. Tem a tiazinha desempregada que faz quentinha pra morador de rua. E tem o tiozão do Madero que demite 600 numa tacada só. Tem o artista que faz seu show da sacada do apartamento. E tem o bolsominion que faz carreata pelo fim do isolamento. Tem os frades franciscanos que coletam e distribuem alimentos a comunidades. E tem os evangélicos que organizam o dia do jejum nacional. Tem o cidadão que se cuida, se protege e se confina. E tem a molecadinha que fica na rua, tomando cerveja e fazendo seu churrasco, aglomerada a outra molecadinha, como se nada estivesse acontecendo e tudo isso fosse apenas um feriadão. Tem as empresas que flexibilizam contratos de trabalho e renegociam dívidas de encargos para evitar um mal maior. E tem o véio da Havan.

Passada a pandemia e o pandemônio, teremos tanto a clareza e lucidez para enxergar o que de fato divide o país, quanto a cegueira para nos ofuscar sobre possíveis saídas. Mais do que os efeitos sobre a Economia, veremos os efeitos sobre as pessoas. Não de maneira simplista e maniqueísta. Ninguém é bom ou mau. Seremos solidários e egoístas na mesma proporção. Talvez nos tornemos veganos, mas continuaremos olhando com ódio o cara que coloca 2 pacotes de rolos de papel higiênico no carrinho. Ou, talvez, passaremos a olhar a tudo isso com total indiferença. Como se as ruas vazias fossem apenas o reflexo de uma Copa do Mundo. Em maio, junho, quiçá outubro, não teremos apenas um Brasil com fronteiras delimitando os bons e os maus. Teremos um Brasil novo. Para o bem e para o mal.

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