Falar que demitir o Mandetta agora é como sair de um carro
em movimento é fazer o mau uso da metáfora. Pois não se trata de uma metáfora.
Trata-se de um eufemismo. A coisa é muito pior.
Nelson Teich assume o Ministério da Saúde no momento em que
o Brasil ainda nem atingiu o pico do contágio do coronavírus. E já encontra
pela frente todo tipo possível de problemas. O fundo emergencial foi zerado.
Não há mais de onde tirar dinheiro. Todos os recursos se esgotaram. As reservas
cambiais já estão comprometidas. Não há qualquer possibilidade de se recorrer
ao FMI para pedir empréstimos, pois a fonte secou no mundo inteiro. Não há
qualquer chance de se pensar em uma nova carga tributária; a população está
desempregada e as empresas estão renegociando suas dívidas. Ou estão falindo. A
única saída imaginável para sanar os gastos que vêm pela frente seria, como o
Gabinete do Ódio mencionou, fabricar dinheiro. O que, dependendo da quantidade
de papel-moeda fictícia a ser impresso, seria o pontapé inicial de uma
hiperinflação. Isso num momento em não só a futura recessão global é dada como
certa, mas alguns já até falam em depressão. As conseqüências econômicas da
pandemia farão o crack de 1929 parecer um jogo de pôquer. Quanto mais se estica
o período de quarentena, maior será a destruição da Economia. Isso é fato. Mas
não há outra coisa a ser feita. Como se não bastasse, a construção de hospitais
de campanha, o aumento do número de leitos, a importação de equipamentos
atingiram seu nível máximo. Os profissionais de saúde estão trabalhando no seu
limite. Todos os esforços para reduzir os efeitos do COVID-19 estão caminhando
em velocidade máxima. Apenas para ficarmos no mesmo campo semântico da metáfora
supracitada. Só que o máximo é pouco. Toda essa corrente em torno de um único
objetivo mostra-se insuficiente para diminuir as estatísticas. O que vem por aí
é ainda mais grave. Por enquanto, estamos ainda assistindo a um trailer. O
filme de terror propriamente dito vai começar a ser exibido daqui a mais ou
menos duas semanas.
Essa conta não bate. Nem em reais, nem em dólares. Os
investimentos mundiais, realizados em escalas estratosféricas, já não servem
mais para salvar vidas, apenas para diminuir o número de mortes. Para que os
médicos, lá na frente, não tenham que escolher quem será desintubado na base do
par ou ímpar. Como nenhum profeta poderia imaginar, estamos enfrentando um novo
tipo de malthusianismo: enquanto a quantidade de remédios cresce em progressão
aritmética, a quantidade de doentes cresce em progressão geométrica.
Esse é o quadro otimista que Nelson Teich tem pela frente. Ainda
dá pra piorar. O novo ministro precisa equacionar a distribuição desses parcos
recursos para todos os Estados afetados pela doença. Precisa acompanhar,
segundo a segundo, as orientações da OMS, anunciadas na velocidade galopante de
um locutor de jóquei. Precisa de resultados imediatos para poder dimensionar o
tamanho do isolamento, tanto na questão do tempo quanto do espaço.
Como se não bastasse, o recém-contratado tem como chefe um
lunático. Um líder de Estado que faz questão de contrariar e desobedecer a
todas as recomendações da qualquer entidade idônea de saúde. Um ignóbil motivo
de chacota na imprensa internacional. Considerado o pior presidente do mundo
inteiro no combate ao novo coronavírus. O energúmeno está andando na contramão
(apenas para manter a metáfora automobilística). Sai às ruas, cumprimentando
populares depois de esfregar o nariz com as mãos, levando e trazendo o vírus
como se estivesse brincando de passa-ou-repassa. Bolsonaro não está em campanha,
mas age como se estivesse. Visita farmácias e padarias, sem ter uma palavra
sequer pra dizer. Faz isso de pirraça. Apenas para provar para si mesmo a
onipotência de seu físico de atleta. O Messias acha que é Deus.
Resta saber se, daqui pra frente, esse alinhamento,
balanceamento e recauchutagem entre ministro e presidente é algo
matematicamente possível. Porque o discurso do primeiro e a atitude do segundo
são diametralmente contraditórios. Não, o Brasil não é um carro em movimento. É
um carro desgovernado. Tentando subir a escalada do pico e ao mesmo tempo
descendo a ladeira da Economia. Um veículo de segunda mão, sem freios e com a
marcha à ré engatada.
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