sexta-feira, 17 de abril de 2020

Não é metáfora


Falar que demitir o Mandetta agora é como sair de um carro em movimento é fazer o mau uso da metáfora. Pois não se trata de uma metáfora. Trata-se de um eufemismo. A coisa é muito pior.

Nelson Teich assume o Ministério da Saúde no momento em que o Brasil ainda nem atingiu o pico do contágio do coronavírus. E já encontra pela frente todo tipo possível de problemas. O fundo emergencial foi zerado. Não há mais de onde tirar dinheiro. Todos os recursos se esgotaram. As reservas cambiais já estão comprometidas. Não há qualquer possibilidade de se recorrer ao FMI para pedir empréstimos, pois a fonte secou no mundo inteiro. Não há qualquer chance de se pensar em uma nova carga tributária; a população está desempregada e as empresas estão renegociando suas dívidas. Ou estão falindo. A única saída imaginável para sanar os gastos que vêm pela frente seria, como o Gabinete do Ódio mencionou, fabricar dinheiro. O que, dependendo da quantidade de papel-moeda fictícia a ser impresso, seria o pontapé inicial de uma hiperinflação. Isso num momento em não só a futura recessão global é dada como certa, mas alguns já até falam em depressão. As conseqüências econômicas da pandemia farão o crack de 1929 parecer um jogo de pôquer. Quanto mais se estica o período de quarentena, maior será a destruição da Economia. Isso é fato. Mas não há outra coisa a ser feita. Como se não bastasse, a construção de hospitais de campanha, o aumento do número de leitos, a importação de equipamentos atingiram seu nível máximo. Os profissionais de saúde estão trabalhando no seu limite. Todos os esforços para reduzir os efeitos do COVID-19 estão caminhando em velocidade máxima. Apenas para ficarmos no mesmo campo semântico da metáfora supracitada. Só que o máximo é pouco. Toda essa corrente em torno de um único objetivo mostra-se insuficiente para diminuir as estatísticas. O que vem por aí é ainda mais grave. Por enquanto, estamos ainda assistindo a um trailer. O filme de terror propriamente dito vai começar a ser exibido daqui a mais ou menos duas semanas.

Essa conta não bate. Nem em reais, nem em dólares. Os investimentos mundiais, realizados em escalas estratosféricas, já não servem mais para salvar vidas, apenas para diminuir o número de mortes. Para que os médicos, lá na frente, não tenham que escolher quem será desintubado na base do par ou ímpar. Como nenhum profeta poderia imaginar, estamos enfrentando um novo tipo de malthusianismo: enquanto a quantidade de remédios cresce em progressão aritmética, a quantidade de doentes cresce em progressão geométrica.

Esse é o quadro otimista que Nelson Teich tem pela frente. Ainda dá pra piorar. O novo ministro precisa equacionar a distribuição desses parcos recursos para todos os Estados afetados pela doença. Precisa acompanhar, segundo a segundo, as orientações da OMS, anunciadas na velocidade galopante de um locutor de jóquei. Precisa de resultados imediatos para poder dimensionar o tamanho do isolamento, tanto na questão do tempo quanto do espaço.

Como se não bastasse, o recém-contratado tem como chefe um lunático. Um líder de Estado que faz questão de contrariar e desobedecer a todas as recomendações da qualquer entidade idônea de saúde. Um ignóbil motivo de chacota na imprensa internacional. Considerado o pior presidente do mundo inteiro no combate ao novo coronavírus. O energúmeno está andando na contramão (apenas para manter a metáfora automobilística). Sai às ruas, cumprimentando populares depois de esfregar o nariz com as mãos, levando e trazendo o vírus como se estivesse brincando de passa-ou-repassa. Bolsonaro não está em campanha, mas age como se estivesse. Visita farmácias e padarias, sem ter uma palavra sequer pra dizer. Faz isso de pirraça. Apenas para provar para si mesmo a onipotência de seu físico de atleta. O Messias acha que é Deus.

Resta saber se, daqui pra frente, esse alinhamento, balanceamento e recauchutagem entre ministro e presidente é algo matematicamente possível. Porque o discurso do primeiro e a atitude do segundo são diametralmente contraditórios. Não, o Brasil não é um carro em movimento. É um carro desgovernado. Tentando subir a escalada do pico e ao mesmo tempo descendo a ladeira da Economia. Um veículo de segunda mão, sem freios e com a marcha à ré engatada.


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