Falar em isolamento vertical a essa altura do campeonato é
como pedir a volta do Fusca. Talvez essa estratégia fizesse algum sentido lá no
comecinho do ano, na mesma época em que o dr. Drauzio Varella postou um vídeo
falando que o coronavírus é uma gripezinha. Hoje, tendo em vista as
estatísticas alarmantes e a experiência da Europa, principalmente Itália e
Espanha, é provado pela ciência precisa do A + B que essa medida, ultrapassada
e démodé, não é eficaz na atual conjuntura catastrófica.
Longe de mim querer ser mais um dos milhares de
especialistas que espocam por aí nas redes sociais e nos canais de
entretenimento. Mas existem argumentos, amplamente divulgados, que refutam esse
tipo de confinamento tão frágil quanto o porte físico do novo Ministro da
Saúde. Os defensores incondicionais desse tipo de isolamento pela metade
acreditam que é suficiente deixar os velhinhos em casa, fazendo tricô,
conversando com seus gatinhos e jogando bingo on-line com seus amigos, enquanto
os fortões e destemidos possam sair às ruas, enfrentar o caos e abrir suas
portas do comércio para salvar a Economia. Pois bem. Em primeiro lugar, é bem
provável mesmo que esses heróis da sociedade, desbravadores do perigo iminente,
não peguem o COVID-19. Ou, se pegarem, o máximo que vai acontecer é uma tosse
ou um espirro. Uma gripezinha, conforme creem eles. O problema é que existem os
tais transmissores assintomáticos, que contraem a doença, não manifestam suas
características e são o carro-forte do vírus para que se propague pelo resto do
ambiente. Esses hercúleos salvadores da pátria podem até não morrer. Mas
certamente carregam consigo a bomba-relógio capaz de matar.
Outra questão é que, analisadas minuciosamente as
estatísticas, já não dá mais pra se falar em grupo de risco. No Brasil, 25% dos
óbitos foram de pessoas abaixo de 60 anos, sem doenças pré-existentes ou sem
apresentar um quadro de comorbidades. Ou seja, de cada quatro indivíduos que
bateram as botas, um deles é tão jovem, saudável e resistente quanto eu. Ou
quanto você.
O isolamento total e irrestrito não serve apenas para acabar
com essa discriminação de quem deve ou não deve ficar em casa. Ele é a maneira
mais eficiente, até agora conhecida, de contribuir com o tão falado achatamento
da curva. Pelo conceito de “curva” entende-se que, mais cedo ou mais tarde,
todos nós seremos contaminados pelo vírus. O que ele promove é fazer com que o
sistema de saúde não fique sobrecarregado no momento de pico. Situação em toda
a sociedade precise ser atendida ao mesmo tempo. E você já está careca de
saber: não há leitos, não há médicos, não há medicamentos, muito menos
equipamentos para fazer tudo ao mesmo tempo agora. Afastar você do ambiente
social não significa, em última instância e numa perspectiva mais pessimista,
te proteger do vírus. Significa que as autoridades médicas estão te dando o
recado de que vão te atender sim, só que mais tarde. Portanto, falar em
isolamento vertical, horizontal ou diagonal é uma discussão inócua. Não se
trata de “quem”. Trata-se de “quando”.
Por isso, meu caro, antes de sair por aí pra fazer aquela
caminhada gostosa na Praça Pôr do Sol, participar de carreatas na Av. Paulista,
chamar os amigos para um churras, dar aquele abraço apertado no dono do Bar do
Seu Zé, ir até a feira e apertar a mão da tia do tomate (junto com o tomate),
ou simplesmente agir como se nada estivesse acontecendo, pense duas vezes.
Controle sua ansiedade causada pelo ócio e pelas milhares de informações falsas
das redes sociais. Talvez você saia mesmo incólume dessa pandemia. Torço muito.
Talvez a cloroquina ou o vermífugo resolvam seu eventual problema. Talvez não.
Existe uma probabilidade, mesmo que ínfima, de você ficar agonizando em sua
casa porque não há mais leitos nem respiradores disponíveis para te salvar. E
você pode, Deus me livre e me guarde, ficar com a sensação de se afogar a seco.
Por mais de uma semana. Quem fala isso não sou eu, são as pessoas que se
curaram da doença. E existe uma probabilidade, mais ínfima ainda, de você não
estar vivo para ler meu próximo texto. Não há grupo de risco. Há situação de
risco.
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