sábado, 18 de abril de 2020

Não existe grupo de risco


Falar em isolamento vertical a essa altura do campeonato é como pedir a volta do Fusca. Talvez essa estratégia fizesse algum sentido lá no comecinho do ano, na mesma época em que o dr. Drauzio Varella postou um vídeo falando que o coronavírus é uma gripezinha. Hoje, tendo em vista as estatísticas alarmantes e a experiência da Europa, principalmente Itália e Espanha, é provado pela ciência precisa do A + B que essa medida, ultrapassada e démodé, não é eficaz na atual conjuntura catastrófica.

Longe de mim querer ser mais um dos milhares de especialistas que espocam por aí nas redes sociais e nos canais de entretenimento. Mas existem argumentos, amplamente divulgados, que refutam esse tipo de confinamento tão frágil quanto o porte físico do novo Ministro da Saúde. Os defensores incondicionais desse tipo de isolamento pela metade acreditam que é suficiente deixar os velhinhos em casa, fazendo tricô, conversando com seus gatinhos e jogando bingo on-line com seus amigos, enquanto os fortões e destemidos possam sair às ruas, enfrentar o caos e abrir suas portas do comércio para salvar a Economia. Pois bem. Em primeiro lugar, é bem provável mesmo que esses heróis da sociedade, desbravadores do perigo iminente, não peguem o COVID-19. Ou, se pegarem, o máximo que vai acontecer é uma tosse ou um espirro. Uma gripezinha, conforme creem eles. O problema é que existem os tais transmissores assintomáticos, que contraem a doença, não manifestam suas características e são o carro-forte do vírus para que se propague pelo resto do ambiente. Esses hercúleos salvadores da pátria podem até não morrer. Mas certamente carregam consigo a bomba-relógio capaz de matar.

Outra questão é que, analisadas minuciosamente as estatísticas, já não dá mais pra se falar em grupo de risco. No Brasil, 25% dos óbitos foram de pessoas abaixo de 60 anos, sem doenças pré-existentes ou sem apresentar um quadro de comorbidades. Ou seja, de cada quatro indivíduos que bateram as botas, um deles é tão jovem, saudável e resistente quanto eu. Ou quanto você.

O isolamento total e irrestrito não serve apenas para acabar com essa discriminação de quem deve ou não deve ficar em casa. Ele é a maneira mais eficiente, até agora conhecida, de contribuir com o tão falado achatamento da curva. Pelo conceito de “curva” entende-se que, mais cedo ou mais tarde, todos nós seremos contaminados pelo vírus. O que ele promove é fazer com que o sistema de saúde não fique sobrecarregado no momento de pico. Situação em toda a sociedade precise ser atendida ao mesmo tempo. E você já está careca de saber: não há leitos, não há médicos, não há medicamentos, muito menos equipamentos para fazer tudo ao mesmo tempo agora. Afastar você do ambiente social não significa, em última instância e numa perspectiva mais pessimista, te proteger do vírus. Significa que as autoridades médicas estão te dando o recado de que vão te atender sim, só que mais tarde. Portanto, falar em isolamento vertical, horizontal ou diagonal é uma discussão inócua. Não se trata de “quem”. Trata-se de “quando”.

Por isso, meu caro, antes de sair por aí pra fazer aquela caminhada gostosa na Praça Pôr do Sol, participar de carreatas na Av. Paulista, chamar os amigos para um churras, dar aquele abraço apertado no dono do Bar do Seu Zé, ir até a feira e apertar a mão da tia do tomate (junto com o tomate), ou simplesmente agir como se nada estivesse acontecendo, pense duas vezes. Controle sua ansiedade causada pelo ócio e pelas milhares de informações falsas das redes sociais. Talvez você saia mesmo incólume dessa pandemia. Torço muito. Talvez a cloroquina ou o vermífugo resolvam seu eventual problema. Talvez não. Existe uma probabilidade, mesmo que ínfima, de você ficar agonizando em sua casa porque não há mais leitos nem respiradores disponíveis para te salvar. E você pode, Deus me livre e me guarde, ficar com a sensação de se afogar a seco. Por mais de uma semana. Quem fala isso não sou eu, são as pessoas que se curaram da doença. E existe uma probabilidade, mais ínfima ainda, de você não estar vivo para ler meu próximo texto. Não há grupo de risco. Há situação de risco.


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