sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Dividir

Dividir é um ato de bondade, solidariedade, compaixão.

A gente divide o pão pra matar a fome de todos.

Dividimos alegrias.

Compartilhamos experiências.

Dividir pra multiplicar.

Mas não existe nada de bondoso em estar dividido.

Dividir a nós mesmos.

Isso é subtração. Fragmentação.

Dividir é duvidar.

Carne ou peixe?

Meia mussarela ou meia calabresa?

Casar ou comprar uma bicicleta? 

A gente já nasce dividido.

Rindo e chorando.

E rimos chorando - ou choramos rindo - até a morte.

Nosso cérebro é dividido.

Córtex e neocórtex.

Razão e emoção.

Hemisférios encefálicos que a toda hora se digladiam entre o querer e o não querer.

Nossos corações estão sempre divididos.

Sístoles e diástoles.

Glóbulos brancos e glóbulos vermelhos sendo rapidamente transportados pelo nosso sangue, que a cada instante se pergunta:

Amor ou paixão?

Parecemos irmãos siameses em eterna busca por certezas.

Mas elas não existem. Ou fingem não existir.

Seguimos adiante, ouvindo o som e a fúria de nossa consciência.

Rock ou valsa?

Até chegarmos ao topo de uma colina.

Lá encontramos o feiticeiro. 

Um preto velho, cego, de óculos escuros e barba grisalha malfeita.

Sentado num banquinho de madeira e tocando um blues na gaita, ele traz a resposta que queremos saber:

"O trem para Memphis acabou de passar".

E aponta o enrugado dedo para uma encruzilhada.

Esquerda ou direita?

Girando nossos olhos pra lá e pra cá, como bolinhas de pingue-pongue, folheamos loucamente as páginas mentais do nosso passado.

E as interrogações do nosso futuro.

Sem sair do lugar.

Enquanto o relógio da vida não para de funcionar.

Tic-tac... tic-tac...


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