sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Como fazer um filme pra ganhar Oscar

- Segunda Guerra Mundial. Ótimo tema pra levar a estatueta. Esse assunto sempre comove os velhinhos da Academia. Pode ser um documentários sobre as vítimas e sobreviventes do Holocausto, ou um filme de ficção sobre os campos de concentração, ou sobre os países aliados, refugiados de guerra que ajudaram os judeus, enfim... Vale lembrar que metade dos produtores executivos de Hollywood é semita e a outra metade é de italianos convertidos ao judaísmo.

- Achou o assunto pesado ou batido? Tudo bem. Faz um filme sobre as lembranças de um judeu adolescente nos bairros suburbanos de Nova York que tá valendo.

- Ainda sobre o tema: dê preferência a ator goy para o papel principal. Presta atenção, a concorrência já saiu na frente. Anthony Hopkins, Paul Dano, Stanley Tucci, Mark Strong... Nada de me escalar Michael Rappaport ou Rob Schneider. Se conseguir fazer o Jackie Chan parecer um rabino convincente, o prêmio é seu.

- Temas relacionados aos negros também é uma boa opção. O cinema vem fazendo uma retratação histórica a fim de se tentar corrigir o racismo estrutural. A escolha é livre. Pode ser um filme sobre a Guerra de Secessão, ataques da KKK em grupos de coral gospel ou até mesmo a biografia de um jogador de basquete que sofreu preconceitos.

- Nem pense em gastar muito dinheiro com orquestra. O Oscar de Melhor Trilha já é do John Williams. Mantenha o foco em outras categorias.

- Categorias secundárias, como figurino ou maquiagem, podem ser uma boa estratégia pra se sair vencedor da cerimônia. Mas nada de usar as mesmas táticas do passado, como deixar o Brendan Fraser gordo ou a Charlize Theron feia. A academia já percebeu os truques dessa armadilha. Fique esperto. Próteses de silicone tem em qualquer filme B de terror. Isso você encontra até na 25 de Março, ainda mais que estamos perto do Carnaval. O lance aqui é deixar um ator MUITO parecido com o personagem real do filme. A tal ponto de até ele mesmo se confundir. Escalar o Will Ferrell pro papel do Chad Smith (batera do Red Hot Chili Peppers) seria muita preguiça de sua parte. Se o seu negócio é encarar desafios, faça o Dwayne Johnson ficar idêntico ao Woody Allen.

- Nunca, jamais, em hipótese alguma cogite escalar atores que já receberam precocemente o Oscar e tiveram suas carreiras enterradas por causa disso. Cuba Gooding Jr., Marisa Tomei, Hillary Swank, nem pensar,. Dá um azar da porra.

- Escolha sempre um ator da modinha, que daqui a alguns anos (ou meses) passará a ser tendência. E logo depois será esquecido, não importa seu talento. Jack Nicholson estava sempre na primeira fileira em todas as celebrações, estampando seus óculos escuros e seu sorriso sarcástico. Mas quem se lembra dele na era digital? Leonardo Di Caprio também já era. Bradley Cooper também já teve sua chance. Pense em algo como Timothée Chalamet um sorvete coloret ou a pseudoesquisitaça Millie Bobby Brown.

- Esportes. Taí um outro tema que não é garantia de ganho, mas com certeza entra na lista dos indicados. Aqui é vale-tudo. E não estou me referindo à modalidade de socos e pontapés. Pode ser uma biografia de algum atleta famosíssimo, como Pelé, Maradona ou Serginho Chulapa. Mas pode ser também uma ficção sobre algum sujeito do qual ninguém ouviu falar. Um ex-drogado que vira lutador de boxe, uma tenista pobre e humilde que vai a pé pra escola durante sua infância, ou um jogador de beisebol que cai na bebedeira depois de virar figurinha rara. Só pra lembrar: Bolsonaro nunca foi atleta, tá? Se quiser ser mais criativo, dá uma pesquisada sobre personalidades do curling ou sobre a corrida de mula no Arkansas. Não importa. Mas uma coisa é certa: ao final do filme, durante a exibição dos créditos, é obrigatória a presença de fotos, imagens e som de rádio antigo do verdadeiro atleta.

- Roteiro é outra coisa muito importante. Dê bastante atenção e um cuidado especial aos diálogos. Ultimamente a Academia tem preferido falas densas, cheias de conteúdo. Nem ouse trazer de volta a nouvelle vague e suas conversas do dia a dia. Ou aquele olhar contemplativo e mudo de um Louis Garrel da vida. Esqueça de uma vez por todas o silêncio dos planos do Sokurov ou do Béla Tarr. Aqui o negócio é sério. Nada de frases vazias como "tá tarde, vou dormir" ou "tem cigarro?". Até porque cigarro virou um palavrão tão feio quanto Weinstein na indústria da Sétima Arte. Aqui você vai precisar contratar um roteirista que ganha por letra. Cada fala dos protagonistas deve conter um resumo da história dos Estados Unidos. Faça as associações mais complexas possíveis. Se o tema for um vazamento de informações do jornalismo, despeje toda sua verve mencionando Watergate e vacinas feitas à base de prótons. Não existe vacina de prótons, mas essa é a ideia. Ninguém vai ficar entrando no Google dentro do cinema a cada discurso rebuscado da Jennifer Lawrence. Se o assunto for os escândalos nos bastidores de Hollywood, faça uma correlação entre pedofilia e extinção das abelhas nos países de clima equatorial. De preferência, com falas na velocidade Tatá Werneck, que é pro público não entender porra nenhuma e acreditar em tudo o que está ouvindo.

- Procure, sempre que possível, priorizar temas universais ao invés de assuntos mais regionais ou específicos. Fale sobre aquilo que todo mundo conhece ou entende, como amor, bullying ou vontade súbita de comer chocolate antes de dormir. Isso pode gerar mais empatia. Se houver mesmo uma intenção de tratar de assuntos mais herméticos, atente-se a fatos que foram mundialmente divulgados ou ganharam um destaque na mídia internacional, como a Guerra de Ruanda, os ataques terroristas em Brasília ou a traição do namorado da Shakira.


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