terça-feira, 1 de outubro de 2024

Golpe de Sorte em Paris

Vamos começar relativizando a tradução do título. Na verdade, não se trata da sorte grande. Não existe a premissa iminente de um "ganhar na loteria" na trama. Aqui o diretor mergulha no acaso, nas coincidências, na probabilidade de algo acontecer.

Isso já diz muito sobre os traços autorais de Woody Allen. Mais do que se debruçar em análises vagas, como o fato de imprimir sua admiração pela Europa, ou o sotaque francês que predomina as caixas acústicas da sala de cinema. Tentar buscar uma lógica para o acaso, enquanto ele simplesmente acontece, é muito mais forte na carreira do octagenário diretor. Em Hannah e Suas Irmãs, Allen usa as religiões para tentar desmistificar e entender o exotérico.

Em Golpe de Sorte em Paris, o encontro fortuito entra a bem-casada Fanny e o ex-colega de faculdade Alain ocorre já nos primeiros minutos, numa calçada da capital francesa. Falam sobre Nova York, onde estudaram, e aí podemos interpretar que existe uma correlação entre autor e obra. É notório o quanto o nova-iorquino diretor vem se desprendendo da cidade mais cosmopolita do mundo devido a inúmeros fatores de sua vida pessoal.

Numa primeira leitura, Golpe de Sorte em Paris parece ser mais do mesmo. Um trabalho requentado de um diretor que vem mostrando sinais de esgotamento criativo. Um filme menor. Claro, existem diversas situações que nos trazem todo o seu repertório fílmico. Encontros fortuitos, diálogos existenciais, traições, casamentos falidos, e por aí vai.

Mas, diferentemente de um passado remoto, o diretor não procura trazer uma nova fórmula para explicar a vida. Se fosse assim, o coreano Hong San-Soo deveria ser considerado um criminoso. Não há nada de errado falar as mesmas coisas de jeitos diferentes. Ou até parecidos. 

Portanto, Golpe de Sorte talvez até posa soar como um trabalho menos inspirado. Menos cômico, inclusive. Mas tem lá seu charme. E ganha vida própria com o desfecho, que sai dessa rotulada mesmice e caminha na exagerada direção ao quase-absurdo. E tudo bem. Afinal, é o acaso.


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