segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Fim do ciclo

Ainda batendo na mesma tecla, mas longe de querer botar uma pá de cal no assunto, me pareceu bastante interessante minha experiência derradeira na Mostra deste ano. Em primeiro lugar, abrindo parênteses, quero reforçar que, para evitar parecer ressentido ou tendencioso, com alegações parciais e julgamentos passionais, a coletiva do júri foi bastante diferente da anterior que abriu o evento. Desta vez, houve um número menor de tietes e um foco maior ao cinema. Ficou mais clara a composição do júri, os critérios não pré-estabelecidos de premiação, a tentativa de se valorizar o documentário ou dar ênfase a este gênero com uma premiação diferenciada, enfim, estávamos lá numa mesma sintonia, falando mais em arte e menos em números. Justiça seja feita. Mas voltando. Em 96, meu primeiro ano de maratona com credencial, escolhi para mim mesmo o filme Kavafis, dirigido pelo desconhecido Yannis Smaragdis, visto no extinto Cine Paulistano, como o melhor da Mostra daquele ano. Foi a partir dali que decidi eleger um número 1, um supra-sumo do festival nos anos seguintes. Isso me motivou a procurar por obras-primas escondidas, a garimpar por trabalhos excelentes sob meu particular ponto de vista, a eleger o Mr. Universo cinematográfico que foge aos padrões previamente estabelecidos nos demais festivais mundiais. Não sou, sob esse aspecto, alguém que faz questão de navegar contra a corrente. Mas entendo que a Mostra serve um pouco pra isso também. Se é Cannes, Veneza ou Berlim que ditam as regras do bom cinema, pra que então freqüentar insanamente as salas da região da Paulista? O fato é que, por razões mais minhas do que da Sétima Arte, eu queria encontrar um outro Kavafis. Um filme no mesmo patamar do inspirador. Foi este trabalho que me motivou a ler os poemas do escritor grego, a criar minha primeira comunidade no Orkut enquanto eu ainda estava cadastrado nele, a me dar o prazer de entrar em contato com uma partícula da literatura grega, tão pouco difundida nos tempos do emoticon e do hai-kai. E eis que, uma dúzia de anos depois, tenho a oportunidade única de assistir a El Greco, do mesmo diretor, pagando a quantia irrisória de R$ 1 (Cine Olido). Pelo que ouvi da representante da distribuidora que compareceu à sessão, o filme fez mais de 1 milhão de pessoas em seu país de origem. Pelo que li, o diretor não produziu mais nada pra cinema nesse ínterim. Um ou outro que viu o filme em cabine não gostou, mas mesmo assim a expectativa era grande. E, infelizmente, El Greco não cumpriu em satisfazer essa ansiedade. Smaragdis envelheceu. Deixou de lado sua força subjetiva de trazer poesia às imagens e cedeu a um aparato eloqüente, de gosto duvidoso, voltado a lições didáticas. Essa roupagem rebuscada pode até ter dado dinheiro aos produtores, mas nada acrescentou ao cinema. E aquela sala apertada do Centrão, que me fez lembrar do Metrópole e do Arouche quando ainda comprava ingressos individuais, a decadência (do ambiente, do diretor, da Mostra), aquela sensação de fim de tarde de sábado quente era o invólucro mais apropriado para sintetizar o encerramento deste ciclo. Seria impossível continuar a cultivar a Mostra diante da angústia do ocaso. Melhor voltar pra casa e acreditar, tristemente, que este evento renascerá renovado no ano que vem.

Um comentário:

Edu disse...

Sou mais um que não aprovou El Grco! http://www.homemnerd.com/resenha.php?id=5857