quinta-feira, 10 de julho de 2008

Foi Carmen

Quando uma obra abre possibilidades para infinitos sentidos, normalmente deixa de fazer qualquer sentido. Se isso é uma virtude ou um demérito, fica a cargo de quem absorve esta informação. Esta parece ser a proposta da nova montagem de Antunes Filho. O início metódico de uma menina contando os passos obsessivo-compulsivos até chegar a determinado ponto do palco insinua um espetáculo cartesiano e devidamente marcado. Já a mudança de trajetória e a recontagem matemática quebram esse paradigma. Estamos então diante de uma série de possibilidades vetoriais e caóticas de apreensão e compreensão; cada um escolhe o seu caminho.

Abrir o leque não significa necessariamente encantar o espectador com os efeitos de sua multiplicidade. Neste caso, a montagem quase minimalista soa bem mais anárquica do que indutiva. É como se elenco e platéia fossem coniventes com o vale-tudo do quase-nada. Ambos estão no mesmo barco que perdeu o rumo. Existe sim um esboço da rigidez estética que caracteriza o autor (três senhoras enfileiradas, vestidas de preto, nos fazem lembrar o peso dramático de trabalhos pretéritos de Antunes). Mas isso se mistura em meio a outras cenas de um humor-fórmula do fácil agrado ou do difícil constrangimento. Foi Carmen não permite noções pré-concebidas; a cada instante, uma surpresa, uma ruptura. Este trabalho antididático não enaltece Carmen Miranda, tampouco destrói sua imagem. Se a maioria das pessoas conhece apenas seus signos mais marcantes (o chapéu de banana, o que a baiana tem, o rebolado e o tico-tico no fubá), é tão-somente nesses ícones que a peça se finca. Um espetáculo que trafega em desequilíbrio na linha que divide o simples e o simplório.

2 lentilhas

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